Para popularizar o skate, que estará no programa olímpico pela primeira vez, nos Jogos de Tóquio, em 2020, o projeto “Academia do Skate” vem rodando Minas Gerais para apresentar, ensinar e, quem sabe, conquistar novos adeptos. Mais de seis mil pessoas já participaram do evento, que conta com aulas e palestras, todas de graça. Na sua passagem por Belo Horizonte, o programa, montado no Shopping Cidade até este domingo, recebeu uma visita mais do que especial: do skatista Sandro Dias, o Mineirinho.
O hexacampeão mundial deu muitas dicas e passou um pouco de sua experiência para crianças e adolescentes, de 7 a 17 anos, que já se aventuram ou buscam se aventurar sobre as quatro rodinhas.
Expoente do esporte no Brasil, Mineirinho afirma que, se as Olimpíadas fossem hoje, o Brasil chegaria para brigar por medalhas nas modalidades park e street, no masculino e no feminino. Apesar de sua categoria não estar nos Jogos, a halfpipe, ele está pensando se tentará uma vaga, quer seguir ajudando para a popularização do skate e, mesmo aos 43 anos, afirma que ainda tem muita lenha para queimar.
Confira a íntegra da entrevista com Sandro Dias, o Mineirinho:
De onde surgiu a paixão pelo skate?
A paixão pelo skate surgiu desde criança. Comecei a andar de skate com 10 anos. Eu andava de skate com os amigos de infância. Só que eu usava o skate de uma forma diferente, eu e um amigo meu. A gente colocava um pneu de carro em cima do skate e revezava: cada hora um sentava em cima do skate e o outro empurrava. Aí ganhei um skate de natal dos meus pais, em 1985. A partir de então, comecei a aprender a andar de skate em pé e peguei amor pelo esporte. Eu morava em Santo André (SP), comecei a participar das competições que tinha na região e nunca mais parei, mesmo com todas as dificuldades da época que o esporte tinha. Na verdade, o skate nem era um esporte, era uma moda. Toda criança acabava ganhando um skate dos pais e comigo não foi diferente. Além do mais, não tinha muito incentivo para a prática, não tinha pistas de skate como tem hoje e nem material de ponta. Apesar de todas as dificuldades, eu comecei a frequentar os lugares onde eles ensinavam skate em Santo André e, como eu disse, fui participar das competições e nunca mais parei.
Quando percebeu que o skate poderia se tornar uma profissão?
Em 2001 foi que eu realmente achei que eu poderia tentar viver do skate. Eu trabalhava na empresa do meu pai há 8 anos, me formei na faculdade e já era profissional de skate há seis anos. O skate, nessa época, já me dava uma renda maior do que trabalhar com meu pai, por conta dos patrocinadores e dos eventos que eu participava. Então, quando me formei na faculdade, eu tinha que escolher: se eu continuaria vivendo atrás do meu sonho, que era ser um skatista profissional ou se seguia trabalhando com o meu pai. Eu decidi seguir o meu sonho. Aí tive que me dedicar 100% para que as coisas começassem a dar certo. Mudei pra Califórnia, nos Estados Unidos, que era onde tudo acontecia, e fiquei envolvido totalmente com o mundo do skate. Comecei a participar de todos os eventos possíveis: Estados Unidos, Europa, Austrália, Ásia. Toda organização era feita através de alguma companhia na Califórnia. Por isso me mudei pra Califórnia. As coisas começaram a dar certo e eu comecei a viver só do skate.
E quando viu que teria condições de se tornar um atleta de ponta?
Quando eu me formei na faculdade (2001), eu já participava o Circuito Mundial há cinco, seis anos, mais ou menos. Em 2001, eu já estava entre os 10 do ranking mundial e fui campeão europeu, em 2002. Quando eu me mudei pra Califórnia, fui campeão europeu pela segunda vez e já estava entre os cinco do ranking mundial. Em 2003, fui campeão europeu pela terceira vez e foi a primeira vez que conquistei o título Mundial. Então, quando eu consegui me dedicar 100% naquilo que eu queria, foi quando as coisas começaram realmente a dar certo. Eu só pensava nisso e só me dedicava pra isso: ser um skatista de ponta.
O skate tem um espaço pequeno no Brasil?
Não é de hoje, mas há mais de 10 anos o skate é o segundo esporte mais praticado do país. É lógico que a gente perde para o futebol. Não tem como comparar nenhum outro esporte com o futebol, por sua grandeza. É claro também que o skate é um esporte relativamente novo, que a maioria das pessoas não tem essa informação, isso é fato. Porém, a gente está, cada vez mais, ganhando espaço na mídia, tendo mais espaço para a prática, a realização de eventos grandes no Brasil, enfim, está tomando um espaço legal. Lógico que falta demais, falta muito ainda, só que eu acho que tende a crescer bastante, ainda mais agora que o skate virou um esporte olímpico. Tende a crescer muito e é o que a gente espera né: mais oportunidades para os atletas profissionais, para quem está iniciando, para as categorias de base, enfim, que melhore pra tudo.
É possível popularizar o esporte no Brasil? O que falta?
Acho que a gente está seguindo um bom caminho, ganhando mais espaço. O skate, depois de se tornar um esporte olímpico e pelo fato de estar nas próximas Olimpíadas de 2020, acabou atraindo novos olhares, novos investidores. O programa Olímpico acaba valorizando o skate. Acho que estamos no caminho certo, é só dar tempo ao tempo mesmo. Lógico que a gente passa por uma crise que afeta todos os setores e o skate não deixou de ser afetado também, mas a gente espera que, passando a crise, com a melhoria da economia do Brasil, o skate acabe melhorando também nesse crescimento: crescimento do mercado, crescimento de praticantes, enfim, de tudo.
Você treina onde?
Quando estou nos Estados Unidos, onde moro atualmente, eu treino nas pistas perto da minha casa. Tem algumas pistas de concreto públicas, que são parks, e tem alguns halfpipes também por aqui, particulares: tem o do Mancha, que é de um brasileiro; tem o do Tony Hawk, que é próximo da minha casa; tem o do Elliot Sloan, que é outro profissional que tem uma pista na casa dele; tem uma outra pista que é da marca de um tênis; um outro halfpipe de uma marca de tênis que é próximo da minha casa, enfim... são nesses lugares que eu ando. Tem um monte de pista por aqui. E no Brasil, eu tenho a minha própria estrutura. Eu tenho tudo montado. Montei um half lá no Sandro Dias Camp, no meu sítio. Tem Half, Bowl, Street, tem mini-rampa, tenho tudo lá. Lógico que eu também ando em muitos outros lugares, mas os lugares que eu prefiro são esses.
O cenário de competições brasileiras é suficiente para formar e preparar grandes atletas?
Eu acho que hoje em dia sim. Até pouco tempo atrás, a gente teve grande eventos, aí passou uns dois, três anos sem muita coisa, porém neste ano voltou (com mais competições) pela questão olímpica, com verba do COB. A gente conseguiu organizar um circuito profissional bem forte. Mudamos toda a Confederação Brasileira de Skate, que cuida do skate brasileiro, para que a gente fizesse esse plano olímpico e usasse a verba da melhor forma possível para formar novos atletas e formar a seleção brasileira de skate. Neste ano, a gente tem um circuito muito forte que é o STU Open, em parceria com a Confederação Brasileira de Skate. Essa disputa, com certeza, está dando a oportunidade pra muita gente. Esperamos que, no ano que vem, continue pra darmos sequência nesse trabalho olímpico que foi iniciado neste ano.
Qual é o ganho pra modalidade com a inserção nos Jogos Olímpicos?
Sempre achava que seria uma coisa muito boa, desde que o Comitê Olímpico Internacional e o COB respeitassem o que o skate é e sempre foi, que não tentassem mudar o nosso esporte. E é até por isso que hoje, nós skatistas estamos na nova diretoria da Confederação Brasileira de Skate e tomamos conta do skate perante o COB. Isso está sendo muito legal. Com certeza está atraindo novos olhares, novos investimentos, novos praticantes em âmbito mundial. A tendência é crescer. Com as Olimpíadas, a gente vai poder mostrar o nosso esporte para diferentes públicos, talvez até para leigos que nunca se interessaram muito pelo skate e vão ter a oportunidade de ver em uma Olimpíada. Isso pra gente é maravilhoso. Só tem a agregar para o nosso esporte.
Você vai participar dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020?
A modalidade que eu faço não estará nas Olimpíadas. Eu pratico a modalidade vertical, que é praticada em uma rampa em formato de U, de 4,20 m de altura, que se chama halfpipe. Nos Jogos, tem uma modalidade muito democrática, que é o park. Talvez eu possa tentar. Ainda não sei. Estou pensando bastante, estamos há um ano e meio das Olimpíadas praticamente. Vamos ver. Tem muita coisa pra acontecer ainda. Se eu não estiver competindo, eu gostaria de contribuir de alguma forma com a seleção brasileira de skate lá.
Você tem 43 anos. Existe uma idade limite para se competir em alto nível?
Acredito que não. Depende muito de cada um, de como a condição física está, a condição mental principalmente e o fato de não parar de andar de skate. Acho que isso que é o mais interessante. Acho que não existe um limite, até porque hoje existem outras categorias pós-profissionalismo. Existe hoje o Pró-Master e depois o Pró-Legends, que são os caras que são eram profissionais quando eu comecei a andar de skate e que andam até hoje. Tem Tony Hawk, Steve Caballero, Christian Hosoi, e alguns brasileiros também. Então, enquanto eles estão indo e fazendo novas categorias, eu tenho condições de ir atrás e de trilhar esse mesmo caminho.
Como o Brasil chega para os Jogos de Tóquio: como potência ou só pra participar?
Com certeza como potência. Eu falo que se os Jogos Olímpicos fossem neste ano, nós teríamos condições de ter medalhas nas duas modalidades e nas duas categorias, masculino e feminino. O Brasil é muito forte nessas modalidades. E eu imagino que daqui um ano e meio, dois anos terão muitas novidades em relação ao nível de skatistas para competir no Japão. Acredito que vai ser bem difícil a etapa classificatória porque tem muita gente boa. A gente, com certeza, é uma das principais potências do skate mundial.
Quais suas principais conquistas no skate?
Sou seis vezes campeão mundial, tenho mais de 10 medalhas de X-Games realizados pelo mundo, sou recordista mundial de aéreo mais alto no halfpipe, com 4,20 m de altura acima da rampa, sou tricampeão europeu e seis vezes campeão brasileiro.
De onde surgiu o apelido Mineirinho, já que você é paulista?
O apelido Mineirinho surgiu porque o meu pai é mineiro. Quando eu era criança, tinha um tio meu, que já é falecido, que chamava meu pai de mineiro. Como eu sempre fui muito parecido com o meu pai, ele me chamava de Mineirinho. Quando fui participar da minha primeira competição, em Santo André (SP), com 10, 11 anos de idade, eu fui com a minha mãe fazer a minha ficha de inscrição. Tinha que preencher os campos como nome, apelido, idade, endereço, enfim. E eu queria preencher tudo. Quando chegou no espaço do apelido, eu não tinha nenhum apelido que meus amigos me chamavam. Só o meu tio que me chamava de Mineirinho. E eu falei: 'mãe, o que eu coloco de apelido?' E ela me sugeriu colocar Mineirinho. E acabou ficando até hoje. Mineirinho. Deu sorte. É um povo bom (risos).