Felipe Fernandes de Lima, de 34 anos, retornava para casa após mais um dia de trabalho. Ao chegar à sua residência, deparou-se com uma bandeira do Atlético pendurada na porta do vizinho, morador do apartamento 402. Do interior daquela unidade, ouvia-se a música “Reunião de Bacana”, gravada pelos Originais do Samba. A obra se tornou famosa pelo refrão “Se gritar ‘pega ladrão’, não fica um, meu irmão”. Era noite de sábado, 22 de maio de 2021.

Por se tratar de um fim de semana, a imagem registrada pelas câmeras de segurança do edifício, localizado no bairro Castelo, na região da Pampulha, em BH, tinha tudo para passar incólume. Afinal, poderia ser tão somente alguma confraternização de um sábado à noite. Contudo, não!

A “homenagem” tinha endereço e alvo certos. Poucas horas antes, a cerca de 5,5 km dali, Felipe Fernandes, morador do 401, havia sido o juiz do empate sem gols entre Atlético e América, no Mineirão, que garantiu o título do Estadual ao Galo.

Embora “campeão”, o vizinho parecia não ter aprovado a atuação de Fernandes no clássico. Para completar o enredo, Fernando William Van Lopes Ferreira, “vizinho do 402”, teria usado a imagem da câmera de segurança do interior do prédio para divulgá-la na internet.

Contrariado com o que entendeu tratar-se de exposição e violação de sua honra e imagem, o árbitro acionou a Justiça. Uma audiência de conciliação está marcada para o dia 31 de março.

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Vizinho de juiz negou provocação

Antes de denunciar o vizinho à Justiça, Felipe Fernandes teria tentado encerrar o imbróglio diretamente. Conforme o processo, ele enviou mensagem pelo WhatsApp, às 11h16 daquele domingo, dia 23 de maio de 2021, questionando a atitude de Fernando Ferreira.

O cidadão se mostrou estupefato. Refutou o conteúdo da cobrança, alegando não ter praticado qualquer ato contra Fernandes e sua família. Argumentou, ainda, residir no local há mais de dez anos, sem nunca ter-se indisposto com qualquer morador ou visitante, mantendo a boa convivência com todos.

Insatisfeito com o retorno, Fernandes apresentou queixa-crime contra Ferreira, acusando-o de injúria e difamação. Inicialmente, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) não encontrou indícios de cometimento de crime.

Os árbitros Frederico Soares Vilarinho, Felipe Alan Costa e Antônio Márcio Teixeira, presentes na final de 2021, estavam no local para redigir a súmula da partida e jantar. Os três também acionaram o autor da provocação na Justiça. De acordo com o processo, 

Assista ao vídeo que mostra a chegada de Felipe Fernandes em casa:

Embora o constrangimento citado por Felipe Fernandes de Lima em sua residência tenha viralizado na internet, o árbitro optou por não comentar as situações de pressão, perseguições e ameaças que eles e os colegas costumam vivenciar na vida pessoal.

“A Comissão de Arbitragem (da FMF) achou melhor eu não dar nenhum tipo de entrevista, até pelo momento que estamos passando na arbitragem mineira. Agradeço pelo contato e peço desculpas por não poder participar”, argumenta.

Ex-árbitro condena ameaças e cobra ação das autoridades

Depois de 19 anos como árbitro da Federação Mineira de Futebol (FMF), Cleisson Veloso Pereira decidiu romper o ciclo, em 2019. Apitando em Minas Gerais e em outros gramados Brasil afora, viveu momentos ótimos e outros nem tanto, como ele admite. Contudo, independentemente disso, posiciona-se contra os excessos cometidos contra os ex-colegas.

“Nunca sofri ameaças, mas repudio. Esse tipo de crime precisa ser combatido com veemência pelas autoridades. Trata-se de uma covardia. Isso tem de acabar. O futebol brasileiro está passando por um momento difícil, e as pessoas precisam se posicionar contra a violência e em defesa do ser humano”, ressalta.

Remuneração

Em 2013, foi regulamentada a profissão de árbitro de futebol. Na prática, porém, o sistema ainda pode ser considerado amador. Mesmo aqueles juízes e assistentes que atuam na elite do futebol brasileiro possuem exercem outras atividades para que possam se manter. Isso porque remuneração paga pelas federações estaduais e a CBF são feitas de acordo com a participação nas partidas.

No Campeonato Mineiro, o árbitro com escudo da CBF recebe R$ 2.590 por jogo, e cada assistente, R$ 1.295. Em jogos da Série A do Brasileiro, o árbitro Fifa ganha R$ 5.250, e o CBF, R$ 3.780. O assistente Fifa recebe R$ 3.150, enquanto o CBF, R$ 2.268.