Cordisburgo

Museu Casa Guimarães Rosa completa 50 anos neste sábado (30) com novidades

Programação especial na Semana Rosiana, produção de documentário, exposição e aporte de recursos marcam o aniversário do espaço neste ano

Por O Tempo
Publicado em 29 de março de 2024 | 12:09
 
 
Ronaldo Alves, coordenador do MCGR, na reconstituição da venda de secos e molhados do "seu Fulô", pai de Guimarães Rosa Foto: Fábio Barbosa / Divulgação

Há exatos 50 anos, em 30 de março de 1974, o Museu Casa Guimarães Rosa foi inaugurado com uma cerimônia que reuniu o então governador de Minas, Rondon Pacheco, o prefeito da cidade, Geraldo José Martins, o presidente da Academia Brasileira de Letras, Austregésilo de Athayde, e a filha de Guimarães Rosa, Vilma Guimarães Rosa, além de uma multidão de anônimos e curiosos. “Foi uma grande movimentação, tinha muita gente”, recorda Ronaldo Alves.

A vida de Ronaldo seria muito diferente sem o Museu Casa Guimarães Rosa (MCGR). Foi ali que ele, adolescente, despertou para a cultura e para a literatura rosiana. Desde 2006, ele é o coordenador do MCGR, cargo que também ocupou de 1993 a 1997. “O museu é minha segunda casa, fez parte da minha formação intelectual, como educador e também como cidadão”, diz o professor de história.

Cravado no número 744 da avenida Padre João, no centro da pequena cidade de cerca de 8.000 habitantes do sertão mineiro, o histórico espaço, gerido pelo governo de Minas Gerais, por meio da Diretoria de Museus da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult-MG), completa cinco décadas neste sábado (30) com novidades e motivos para celebrar. 

O Museu Casa Guimarães Rosa foi contemplado no edital “Resgatando História”, do governo federal, via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e receberá recursos para recuperação da edificação. O contrato foi assinado no fim de fevereiro. Ao todo, são R$ 7 milhões para quatro museus em Minas Gerais – museus Casa Guignard, em Ouro Preto, Casa Alphonsus de Guimaraens, em Mariana, e Mineiro, em Belo Horizonte, além do MCGR. 

Existe também um plano de expansão do Museu, que poderá ocupar o imóvel vizinho, transformado em uma espécie de centro de estudos da obra de Guimarães Rosa. O projeto está em fase de captação e busca patrocínios. Outra proposta em vista é a criação do ambiente digital do MCGR no metaverso, em sintonia com a perspectiva da museologia contemporânea.

O Museu Casa Guimarães Rosa está instalado na casa onde Guimarães Rosa nasceu e viveu os primeiros anos de sua infância, entre 1908 e 1917. O edifício é composto pela residência onde habitava a família do escritor e pela venda mantida pelo pai do autor de “Grande Sertão: Veredas”, “seu” Florduardo, ou simplesmente “seu Fulô”. Em 272,77 m² e dez cômodos, documentos, fotografias e objetos do acervo do museu refletem aspectos da vida pessoal de um dos maiores autores da literatura brasileira, além de sua atuação profissional como médico, escritor e funcionário do Ministério das Relações Exteriores.

No Museu, onde o visitante poderá conhecer o universo mágico do sertão mineiro, há uma coleção de aproximadamente 200 peças e cerca de 1.200 documentos textuais, dentre os quais se destacam registros pessoais como certidões, correspondências, discursos e originais manuscritos ou datilografados.

Semana Rosiana

Os 50 anos do Museu vão nortear a programação da tradicional Semana Rosiana, em Cordisburgo. O evento chega à sua 36ª edição e será realizado entre 7 e 14 de julho. A programação contará com palestras, mesas-redondas, exibição de documentários, apresentações musicais e teatrais, narrações do Grupo Miguilim e caminhada eco-literária. 

“Será uma Semana Rosiana muito especial. São 50 anos de um museu totalmente vivo, próximo ao público, à comunidade, com uma programação diversa, trabalhando várias linguagens. Com o museu, Cordisburgo entra na rota turística e recebe pessoas do Brasil inteiro e também de outros países”, destaca Pollyanna Lacerda, diretora de Museus da Secut-MG. Em 50 anos, o espaço recebeu mais de 656 mil visitantes, dos quais 30.852 em 2023, segundo dados da instituição.

Na esteira das comemorações, foi inaugurada, em meados deste mês, a exposição “Poty Lazzarotto nas artes em argilogravura: um passeio pela literatura de Guimarães Rosa a partir da arte em cerâmica”, do artista e educador Fábio Brasileiro. Se estivesse vivo, o artista paranaense estaria completando nesta sexta-feira (29) 100 anos.

A mostra celebra o centenário de Poty, gravurista que criou as ilustrações para os principais livros do escritor mineiro (com destaque para o livro "Sagarana", publicado em 1946) entre os anos de 1956 e 1983, e passeia pela literatura de Rosa. As obras de Brasileiro exploram as metáforas do fogo, da luz e da iluminação presentes na literatura de João Guimarães Rosa e podem ser vistas até 28 de abril.

O curta-documentário “A Casa da Palavra”, em fase de produção e captação de recursos que viabilizem o projeto, é outra iniciativa que festeja o importante espaço em Cordisburgo. Para a produtora, roteirista e codiretora Marília Silveira, o filme conta “uma história inspiradora e poética de resistência, memória e paixão por uma obra e por um lugar”.

“Buscamos registrar quantas histórias e estórias uma casa centenária pode nos contar e com que forças ela pôde resistir por tanto tempo nesta modernidade líquida em que estamos mergulhados. No filme, a casa onde nasceu João Guimarães Rosa é personagem protagonista e nos conta, com a ajuda de Brasinha, pesquisador e 'embaixador do sertão rosiano', as estórias que viu, viveu, ouviu e ecoam até hoje”, acrescenta Marília.

Brasinha, citado pela produtora, é José Osvaldo dos Santos. Ele tinha 22 anos quando o MGR foi inaugurado. Emocionado, Brasinha teve a sensação de que Guimarães Rosa estava voltando para sua Cordisburgo, para a casa onde passara a infância. “A casa perdura por todo esse tempo, está em pé, continua contando histórias. Será sempre a casa de Guimarães Rosa, um local histórico e turístico. Temos um carinho muito grande por ela”, comenta Brasinha, apaixonado pela obra rosiana, lida “de cabo a rabo” por ele. 

Casa de Cordisburgo 

Além de manter vivo o legado de Guimarães Rosa por meio de atividades que encontram linguagens variadas, da música à literatura, da contação de histórias às oficinas sobre patrimônio histórico, um aspecto que merece ser sublinhado é a relação que o museu construiu com a população de Cordisburgo nesses 50 anos. Não importa a faixa etária: ali, todos se sentem em casa. 

“A relação do Museu com a cidade é a grande marca dessa trajetória de cinco décadas. A partir de 1996, quando a dra. Calina Guimarães (prima de Guimarães Rosa) cria o Grupo Miguilim, isso ficou ainda mais forte”, afirma Ronaldo Alves. O coordenador do Museu Casa Guimarães Rosa destaca o vínculo do MCGR com as escolas e os grupos folclóricos e culturais de Cordisburgo. “O sucesso de um museu acontece se ele tem relação com a cidade, com a comunidade”, acrescenta.

Diretora da Escola Estadual Cláudio Pinheiro de Lima, Edilene Oliveira Bruno diz que o museu é fundamental para que os projetos da instituição de ensino dêem certo. Nessa troca de conhecimento entre a escola e a histórica casa da avenida Padre João, número 744, um novo universo se descortina: “Os alunos, das crianças aos adultos, ficam encantados. Muitos nunca haviam tido a possibilidade de visitar um museu até entrarem ali. Mergulhamos na literatura de Guimarães Rosa e reconhecemos aquele espaço como uma casa literária nossa, tão importante para Cordisburgo”.