Série Viagens Seguras (IV)

Parque Nacional da Serra da Capivara: histórias em quadrinhos gravadas na pedra

Destino no Piauí guarda tesouro arqueológico. Nesta terça-feira, região recebe etapa do Rally dos Sertões

Por Paulo Campos
Publicado em 17 de agosto de 2021 | 07:00
 
 
A caatinga totalmente verde, uma floresta, e as formações geológicas no Parque Nacional da Serra da Capivara, tendo ao fundo a planície do São Francisco André Pessoa/Divulgação

As dificuldades de acesso fizeram com que o sudeste do Piauí se mantivesse preservado. Essa região de belezas singulares e surpreendentes é, nesta terça-feira (17/8), parada do Rally dos Sertões, competição que atravessa sete Estados e nove cidades do Nordeste, entre elas São Raimundo Nonato, onde há cerca de 12 mil anos os primeiros habitantes produziram “rabiscos” nas rochas. Desde 1979, uma área de 130 mil hectares foi transformada no Parque Nacional da Serra da Capivara e, em 1991, inscrita na lista de Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco.

O que essa região de Caatinga tem de tão especial? Mais de 800 sítios catalogados com pinturas e gravuras rupestres, o que a coloca como uma das maiores concentrações de sítios pré-históricos do mundo por quilômetro quadrado. Observado de um voo panorâmico, o parque – com seus paredões rochosos de mais de 100 m de altura, alguns coloridos, como o Baixão da Esperança – e seu manto verde hipnotizam pela grandiosidade e magnitude. Mas o que extasia o visitante está escondido entre suas rochas – desenhos com variedade de formas, texturas, cores e temas, que se configuram como um tesouro ao ar livre.

Esse tesouro descoberto pela pesquisadora brasileira Niéde Guidon, em 1978, está hoje ao alcance dos turistas, que podem encarar uma jornada de até 400 km em ótimas estradas e fazer paradas estratégicas para se embabascar com a beleza e a diversidade dessas pinturas. Mas é preciso paciência e determinação por parte do turista. O Parque Nacional da Serra da Capivara – com a entrada liberada durante a pandemia – tem excelente estrutura, com passarelas, trilhas e estradas, inclusive rampas com acessibilidade para pessoas com deficiência. Dos mais de mil sítios arqueológicos, 800 têm pinturas rupestres e estão inseridos em circuitos. 

São Raimundo Nonato

A porta de entrada para o parque é o município de São Raimundo Nonato, com cerca de 40 mil habitantes, segundo as estimativas do IBGE em 2020, e se localiza a 300 km de Petrolina e a 525 km de Teresina. Embora a cidade tenha um aeroporto internacional, as companhias aéreas já não mais operam voos. O trajeto mais rápido é descer no aeroporto de Petrolina e percorrer mais 300 km de carro. O parque pode render de quatro a sete dias de visita, com a exigência de um condutor credenciado pelo ICMBio – hoje são cerca de 70 guias disponíveis na unidade de conservação ao custo de R$ 200 por passeio, com grupos que podem variar de uma até oito pessoas.

O veterano Giordano Macêdo, 43, é um desses guias credenciados e faz parte da Associação Pimenteira e do receptivo Selva Branca. Sua experiência trabalhando em escavações, ao lado de arqueólogos, há mais de 21 anos, é quase uma graduação em arqueologia. Ele tem até um sítio batizado com seu nome: a Toca do Giordano. Nos últimos anos, comenta ele, encontramos mais de 200 novos sítios. Os passeios que Macêdo oferece no parque atendem a todos os tipos de público, do viajante acostumado a longas caminhadas a idosos e pessoas com deficiência. Macedo recomenda, pelo menos, quatro dias na região para se conhecer os principais atrativos.

Roteiro de quatro dias

A programação de quatro dias abrange as principais atrações. O primeiro dia é dedicado ao circuito da Serra Branca e ao Baixão das Andorinhas. No segundo dia, acrescenta-se o Boqueirão da Pedra Furada (foto acima) e a trilha Hombu, com opção de estender o tour até a noite para admirar a iluminação da Pedra Furada. O visitante que permanece três dias pode conhecer ainda o circuito Desfiladeiro da Capivara, a cerâmica e o sítio do Meio. O quarto dia é dedicado ao circuito da Capivara e à trilha da Energia. Os passeios se iniciam geralmente às 8h e terminam no final da tarde, por volta das 17h ou 19h.

O planejamento da visita e os dias de permanência dependerão do ritmo de cada pessoa, da disposição física, da disponibilidade de tempo e do tamanho do interesse do visitante pela arte rupestre. Só assim o Macêdo monta o plano de visita. Os mais acostumados a caminhadas podem percorrer até 10 km por dia. Já o turista da melhor idade tem o apoio de um carro: desce em um atrativo, faz a visita, empreende uma trilha com menor grau de dificuldade e é apanhado em outro ponto. Cerca de 14 atrativos do parque também já foram estruturados com rampas para cadeirantes, como é o caso da Pedra Furada, da trilha Hombu e da serra Branca.

Atrativos famosos

Na serra da Capivara, os três atrativos mais famosos são a Pedra Furada (foto acima), o Baixão das Andorinhas e o Desfiladeiro da Capivara. Acrescente-se ao roteiro visitas aos museus do Homem Americano e da Natureza (ambos ainda fechados) e à fábrica de cerâmica. Ninguém, no entanto, sai da área de conservação sem apreciar a imagem-símbolo que originou o nome da serra e do parque. O desenho de duas capivaras (foto acima) no Boqueirão da Pedra Furada ludibriou arqueólogos, já que se trata, na verdade, de um veado fêmea e seu filhote. A figura hoje está impressa em peças de cerâmica e vendidas por todo o país, em lojas como a Tok Stok, e exportada para diversos países.

No Boqueirão (grande fenda), passarelas de metal erguidas sobre escavações levam para perto de paredões com cerca de 100 m de altura. Belíssimos, estão cobertos por desenhos, onde a cor dominante é o vermelho, mas há outras tonalidades. A cada passo, surgem novas e surpreendentes pinturas. Além das capivaras (ou veados), há outros desenhos famosos, como o que se pressupõe ser um beijo. Os antigos habitantes também costumavam pintar rituais, cenas de sexo, partos e caçadas, animais e cenas do cotidiano. “É uma verdadeira história em quadrinhos gravada na pedra”, define Niéde Guidon em seus estudos.

“As pinturas da serra da Capivara se diferem de outros lugares porque mostram cenas em movimento. Nos antepassados, seus autores já tinham esse conceito”, salienta o fotógrafo André Pessoa. As datas dos vestígios também se misturam. No Boqueirão da Pedra Furada, chegam a 58 mil anos. De acordo com os estudos da pesquisadora Niéde Guidon, artefatos em pedra lascada colhidos indicam que o homem chegou à essa região do Piauí há cerca de 100 mil anos, vindo da África e não do Hemisfério Norte. Uma das pinturas encontradas pode ser a mais antiga do mundo, com cerca de 34 mil anos. Também foram encontrados 120 sítios arqueológicos na vizinha serra das Confusões.

Retomada do turismo

Reaberto em setembro do ano passado, o Parque Nacional da Serra da Capivara – administrado Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), em co-gestão com a Fundação do Homem Americano (Fumdham) – tem retomado as visitas às atrações gradualmente. Os guias já sentem desde maio os ares da retomada do turismo. “Foi o melhor mês de julho desde 2019, trabalhei todos os dias”, comemora o guia Giordano Macêdo. Em 2019, o parque recebeu cerca de 30 mil visitantes, segundo o ICMBio. Dos mais de 800 sítios arqueológicos, apenas 207, de acordo com Marian Rodrigues, chefe do parque, estão abertos à visitação, alguns circuitos ainda permanecem fechados como o Baixão dos Rodrigues.

Hospedagem

Para permanecer na região, a hospedagem em São Raimundo Nonato não é problema se o turista busca apenas cama limpinha e chuveiro quentinho. São, pelo menos, 250 leitos disponíveis em pousadas, hotéis, hostels e albergues simples. Dois outros grandes hotéis estão em construção. A partir desta quarta-feira, a localidade ganha um pouco mais de conforto. Os fotógrafos André Pessoa e Toni Nogueira inauguram o Rupestre Eco Lodge, proposta de luxo rústico na Caatinga. Os amigos transformaram a antiga moradia em uma pousada de alto nível e com proposta sustentável. Localizado na estrada que dá acesso ao parque, são três suítes e dois chalés rústicos, com diárias a partir de R$ 250.

"Nossa proposta é diferente do que existe na região. Queremos oferecer uma experiência confortável dentro da Caatinga", explica Daniel Nogueira, que gerencia a parte comercial do eco lodge. "Todo mundo fala em preservar a Amazônia, mas se esquece da Caatinga, que é o principal portão de entrada para a floresta Amazônica. A Caatinga sempre foi o patinho feio da natureza brasileira, muito ligada à miséria e ao chão rachado, mas a ciência, enfim, está desmistificando isso, porque esse é o único bioma exclusivamente brasileiro. É um ambiente muito novo para a ciência e para quem busca uma experiência diferenciada", enfatiza Pessoa.

Museus

As descobertas arqueológicas do Parque Nacional da Serra da Capivara podem ser celebradas em dois museus: o do Homem Americano e o da Natureza, ambos moderníssimos e ainda fechados à visitação, distantes 2 km e 30 km, respectivamente, do centro de São Raimundo Nonato. O primeiro utiliza de projeções, hologramas e mesas de luz para registrar o povoamento das Américas. O maior interesse, no entanto, recai sobre a coleção de fósseis, que soma 1 milhão de peças, como um cristal de quartzo de 9.800 anos e uma flauta de madeira de 1.300 anos. “Há uma parte interativa, em que o visitante se coloca no lugar de um arqueólogo explorando a região”, conta José Roberto Piovan Filho, da Natur Turismo. A entrada custa R$ 5.

De arquitetura em formato circular, o Museu da Natureza, inaugurado em 2018, está localizado em meio à vegetação e aos paredões, na cidade de Coronel José Dias. O interior do prédio, em formato espiral e com dois pavimentos, abriga 12 salas com temas que vão da origem do universo à chegada do homem à região, tudo muito tecnológico. Há, ainda, uma exposição de fósseis encontradas na região e animais em tamanho real, como tigre-dente-de sabre e a preguiça-gigante, além de uma das maiores coleções de arte rupestre do mundo. Em um filme, a cantora Maria Bethânia reflete sobre a presença do homem na Terra. Um dos destaques é um simulador de voo panorâmico sobre o Parque Nacional da Serra da Capivara.

Outra visita recomendada pelos guias locais é à fábrica da Cerâmica da Serra da Capivara, com sua produção de cerâmicas decoradas com desenhos rupestres do parque, desde objetos de decoração até utilitários, como canecos, copos e pratos, tudo feito artesanalmente. Com seu caráter social, a fábrica é fonte de renda e emprego para as comunidades locais. De segunda-feira a sábado, é possível ver os artesãos em ação; no domingo, só é possível compras na lojinha. Dali, a dica é experimentar as delícias regionais, como a galinhada com pirão de mulher parida, a galinha caipira, a carne de sol, o bode assado e o pirão de galinha nos restaurantes de São Raimundo Nonato.

Roteiro com rio, praia e delta

A ida ao Parque Nacional da Serra da Capivara pode ficar mais redondinha quando se contrata uma agência de receptivo que emende a viagem ao Parque Nacional das Sete Cidades e ao delta do Parnaíba, com pernoite em Teresina, pegando de quebra uma praia no litoral do Piauí. É o que propõe a Natur Turismo. “É um roteiro caro, com dois deslocamentos longos, mas que vale muito a pena”, comenta José Roberto Piovan Filho, o Beto. O custo é R$ 1.100 por dia em um roteiro privativo, mas é possível levar até seis pessoas em uma van e dividir os custos. “Noventa e nove por cento dos turistas são pessoas a partir de 45 anos e com algum nível cultural”, enfatiza.

Um conselho ainda é aproveitar pelo menos um dia em Petrolina, de preferência um sábado e um domingo, para fazer um passeio no rio São Francisco, no Vapor do Vinho, com navegação até o lago de Sobradinho – onde se localiza a barragem –, e visitar uma fazenda de frutas – como a Fortaleza, que cultiva mangas e uvas –, uma vinícola – como Quinta de São Braz e Terranova –, a ilha do Foz, o centro de arte Ana das Carrancas e a oficina de mestre Quincas, os museus do Sertão, em Petrolina, e Regional de São Francisco, em Juazeiro. De quebra, pode-se experimentar uma carne de bode ou um churrasco de carneiro no complexo gastronômico do Bodódromo.

Concessão 

O Parque Nacional da Serra da Capivara está entre os 18 parques nacionais que serão concedidos pelo Ministério do Meio Ambiente à iniciativa privada. Para alguns, a medida é boa; para outros, não faz sentido. A gestora do parque, Marian Rodrigues, entende que “a concessão de uso público trará benefícios ao ordenamento do turismo cultural, com planejamento, investimentos e melhor estruturação do turismo”. O fotógrafo André Pessoa afirma que “a concessão é inviável porque o lugar não tem fluxo turístico, e o parque já é muito bem-estruturado”. Para o guia de turismo Giordano Macêdo, ao invés de conceder o parque à iniciativa privada, melhor seria investir para estruturar o aeroporto, hoje sem voos.

Serviço

Como chegar

Há voos diretos às terças, quartas e sábados da Azul de Confins para o aeroporto de Petrolina. Tarifas a partir de R$ 852,80 o trecho para viagens no período de 16 a 23/8. Clique aqui. São Raimundo Nonato fica a 300 km, e a viagem leva em torno de quatro horas e meia. O ideal e contratar uma agência de receptivo, como a Natur Turismo Ecológico, para pegá-lo no aeroporto.

Quando ir

A época seca vai de maio a outubro. O inverno, mais chuvoso, vai de novembro a abril, mas praticamente não chove mais na região. 

Onde se hospedar

Rupestre Eco Lodge: Reservas pelo WhatsApp (11) 95479- 4504. Diárias a partir de R$ 250 (chalé) e R$ 350 (suíte). Com café da manhã, acrescenta-se mais R$ 20 a R$ 40. 

Hotel Real: Acesse o site ou mande mensagem para (89) 98110-7817 (WhatsApp). Diárias a partir de R$ 188 (apartamento single), R$ 240 (apartamento duplo) e R$ 282 (apartamento triplo) por pessoa.

Pousada Zambelê: Reservas pelo telefone (89) 3582-1129. Sob consulta.

Albergue Serra da Capivara (Cerâmica): Reservas pelo telefone (89) 3582-1760. Sob consulta.

Onde comer

Compensa experimentar comidas típicas, como a galinhada com pirão de mulher parida, feito com o caldo da galinhada, a carne de bode, a galinha caipira, a carne de sol e o pirão de galinha nos restaurantes da cidade:

Restaurante da Cerâmica: Comida para que gosta de coisas saudáveis e leves.

Restaurante do Donizete: Experimente a carne de sol, uma das melhores do Nordeste.

Praça gastronômica: Uma rua com quisoques e comida de rua.

Restaurante Soares: A dica é a galinha caipira.

Restaurante Salu: O peixe é a especialidade.

Restaurante Trilha da Capivara (povoado Sítio do Mocó): Restaurante é parada nos passeios e oferece comida caipira caseira.

Passeios

Natur Turismo Ecológico: Acesse o site

Guia de turismo

Giordano Macêdo: Acesse o site da agência Selva Branca Turismo, mande mensagem para (89) 98120-2818 ou (89) 98129-0205 (ambos WhatsApp) ou envie e-mail para ospimenteira@gmail.com

Parque Nacional da Serra da Capivara:

Horário de funcionamento: Abre diariamente às 6h, e fecha às 18h.

Mais informações

Acesse o site do ICMBio e da Fundação do Homem Americano (Fumdham).

Museus do Homem Americano e da Natureza: Acesse o site da Fumdham.

O que levar

* Camisa de manga comprida leve;

* Tênis;

* Chapéu ou boné;

* Protetor solar;

* garrafinha de água;

* Duas ou três máscaras faciais.