Localizado na avenida Olegário Maciel, o prédio do Mercado Novo reúne, no térreo, a feira da madrugada, que abastece 40% da cidade com hortifrutis fresquinhos, produtos a granel e restaurantes para atender aos trabalhadores locais; no primeiro piso, as lojas de serviços, como as gráficas, luthierias e lojas de consertos em geral; e no segundo e terceiro pisos, toda a economia da criatividade.
A arquitetura do Mercado Novo, em formato de grande caixote, contaminada pelo modernismo que imperava nos anos 1960, não revela que, por trás dos cobogós de cerâmica que revestem a área externa está um verdadeiro templo de cultura e gastronomia.
Quem entra pela entrada principal, a rampa do estacionamento, se assusta com a falta de iluminação e a pouca beleza estética. Propositalmente, a estrutura vazada dos cobogós permite a entrada de luz natural na área interna, criando um curioso jogo de luzes e sombras. Na verdade, todo projeto arquitetônico de Fernando Graça e Sandoval Azevedo Filho tinha apenas o objetivo de arejar mais o ambiente e reduzir a sensação de calor. No interior, prevalecem as robustas rampas de acesso e os longos corredores.
Recentemente, a administração do espaço lançou a campanha “Turistando no Mercado Novo” para atrair mais turistas e apresentar o centro de compras, serviços e entretenimento como hub da economia criativa e cultural da cidade. "Das 1.200 lojas, temos o maior índice de ocupação do mercado desde a sua fundação, em 1963, cerca de 85%", ressalta Luiz Felipe Castro, curador do espaço.
Para Guilherme Costa, sócio-proprietário da Cachaçaria Lamparina, o Baixo Centro está renascendo não por causa do poder público, mas por um movimento espontâneo do privado. “A Belotur infelizmente não consegue enxergar o Mercado Novo como um produto turístico”, lamenta. Nesta matéria, nossa proposta é propor para você um roteiro diferenciado pelo melhor do Mercado Novo. Confira as nossas dicas:
Mercado Novo (2º piso)
Fábrica de Velas Jurema
Antes mesmo do Mercado Novo virar um rolê para os antenados, muitas lojas já habitavam o espaço há décadas, como é a Fábrica de Velas Jurema. Aberta no mesmo local desde 1973, a loja de velas de Nilza Helena, hoje gerenciada pelo filho Aerton Resende, 44, originou-se de uma fábrica de velas artesanais. Além das velas em todos os tamanhos e formatos, há ainda uma série de artigos religiosos e litúrgicos, como terços, medalhas, bíblias, imagens e castiçais. São cerca de 200 itens diferentes. “Compramos 100 kg a 200 kg de parafina para produzir 500 a 500 velas”, conta Resende. Os preços variam de R$ 5 a R$ 1.000.
Cozinha Tupis
Comandada por Nicolás Bollini, a Cozinha Tupis contribuiu para fazer a fama do Mercado Novo. Bollini é um dos defensores de uma identidade própria para o mercado. A proposta é resgatar a comida belo-horizontina, não apenas mineira. “Esse é uma comida de pesquisa”, define a Cozinha Tupis. “Tivemos o estalo de trazer a especificidade como recurso para construir os espaços. Assim, quem está aqui no Mercado Novo conhece muito do produto que vende. E se a pessoa conhece bem o seu produto, é porque pesquisa muito”, acrescenta o argentino, que flerta inclusive com as cervejas artesanais.
Com seu balcão aberto e os fogões 100% à mostra, a Cozinha Tupis oferece acecipes, petiscos, comidinhas molhadas para acompanhar pão e menu sazonal de pratos. As receitas são do chef Henrique Gilberto, que já passou pelos restaurantes Xapuri, Carême e D.O.M., além de ter ganhado o reality “Superchef”, do programa Ana Maria Braga. A sugestão de Bollini é menu-degustação às quartas e quintas-feiras, sob reserva, ao preço de R$ 189 por pessoa, ou o menu guiado, com dois ou três pratos. Quem não quiser colocar a mão no bolso, experimente o frango, quiabo e macarrão ao preço de R$ 49.
Cafeteria Jetiboca
O hábito de tomar coado é revivido em um inspirado cenário no Café Jetiboca. Três gerações da família Lima estão ali impressas nos grãos e sacas de café. A Fazenda Rochedo Lorenzo, em Orizânia, na Zona da Mata, cuida das lavouras e faz a torrefação. O aroma no ar não deixa dúvidas da qualidade do produto. O Jetiboca apenas serve apenas o café nas versões coado, com leite e gelado, acompanhado de pão de queijo, fatias de queijo com melado e uma broa caseira recém-saída do forno. Em um balcão de uma venda aos moldes antigos, são servidas as delícias com preços em torno dos R$ 6.
Super Câmera
Assim como tem gente que não abre mão da qualidade sonora do disco de vinil, há quem prefira o clique de uma câmera fotográfica analógica. É esse processo artesanal de revelar um filme em uma câmara escura envolvendo um processo químico que ainda fascina Bernardo Silva, tanto que mantém uma loja até hoje, apesar da crescente escassez de matéria-prima. O movimento de resistência de Silva tem encontrado muitos adeptos: são ao menos 150 filmes revelados por semana. Mas a proposta da Super Câmera vai além do resgate da fotografia, mas de um ofício, o de laboratorista.
Do ponto de vista de linguagem, não há dúvida de que o método analógico guarda a magia que o digital não tem porque prescinde de técnica. No analógico também não é possível manipular a imagem. Além de revelar filmes coloridos e preto-e-branco a partir de R$ 250, Silva comercializa câmeras analógicas, da reutilizável Kodak M35 (R$ 290) à rara Konica Hexar (R$ 5.500), e acessórios. O empresário também reaproveita películas cinematográficas para produzir filmes, driblando a escassez de matéria-prima. Já chegou a abrir oficina de laboratorista, mas desistiu devido à falta de espaço.
Made in BH
Um espaço que propõe a ser turístico não pode prescindir de uma loja de suvenir. O Made in BH propõe ser a cara de Belo Horizonte, utilizando cartões-postais como a igreja da Pampulha, o viaduto de Santa Tereza e o obelisco da praça Sete, referências musicais como o Clube da Esquina e Gonzaguinha e mineirês para produzir chaveiros, copos, letreiros em neon, camisetas e uma infinidade de lembrancinhas que materializam a cidade para turistas ou que possa ser utilizada em decoração.
Ao identificar essa demanda há oito anos, os empreendedores Felipe Martins e Guilherme Pertence criaram uma loja virtual e, posteriormente, a física. Além das camisetas que abusam do mineirês, apostaram nas coleções: ilustrações de artistas mineiros, copos com referências à cidade, azulejos em parceria com uma ceramista e quadros com ícones belo-horizontinos. Para fugir do óbvio, desenvolveram potes com balas Lalka, copos inspirados na serra do Curral para incentivar sua preservação e ilustrações com brincadeiras de crianças. Os preços vão de R4 10 a R$ 450.
Queijos Goa
Se tem café e cachaça, tem que ter queijo. O representante do Queijo Minas Artesanal (QMA) no mercado é o GOA, que veio direto da Fazenda da Lapa, no município de Aiuruoca, nas Terras Altas da Mantiqueira. O visitante pode degustar de quatro a cinco maturações de queijo, com 30, 60, 120 e 180 dias. Feito a partir do leite cru, o GOA tem sabor marcante, intenso, tempero equilibrado e aroma adocicado, muito voltado para o parmesão. Segundo o proprietário Guilherme Maciel, a produção diária é de cerca de 150 kg de queijo. Guilherme explica que controla todos os processos para garantir a qualidade do produto – a Fazenda da Lapa foi a primeira em Minas certificada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Em 2023, o Goa recebeu medalha de ouro no 6º Mundial de Queijos, na França. A loja ainda vende carne de lata, mel e azeite. Os preços estão a partir de R$ 55.
Rapa do Tacho
Doce de leite, ambrosia, doce de leite com café, compotas de figo, manga e mamão verde, bananada, doce de abóbora com coco, pé-de-moleque, canudinho de doce de leite, goiabada-cascão cremosa... as receitas do chef Augusto César Costa Martins são preparadas artesanalmente em um tacho de cobre ao vivo na cozinha aberta da loja. O diferencial do Rapa do Tacho, segundo Martins, é o preparo artesanal que vai na contramão da pequena indústria. O sucesso é tão grande entre os frequentadores que ele já planeja expandir o espaço da loja no Mercado Novo. Os preços estão entre R$ 2 (doce) e R$ 44 (pote).
Cachaçaria Lamparina
Criada pelos amigos e sócios Guilherme Costa e Thales Campomizzi para dar espaço aos pequenos produtores de cachaça – aqueles que produzem, em média, 400 ml, familiares e das mais diversas regiões de Minas –, a Cachaçaria Lamparina oferece variada gama de aguardentes, entre elas a Século XVII (Coronel Xavier Chaves), Dama da Noite (Leme do Prado), Mineiriana (Ipoema), Severina do Popote (Araçuaí|) e Bem Me Quer (Pitangui). Os preços variam de R$ 30 a R$ 300 a garrafa.
Além de apoiar e divulgar os pequenos produtores, a proposta da Lamparina é também popularizar os drinks produzidos com a aguardente. Costa e Campomizzi têm mudado esse olhar ao oferecer drinks com nomes curiosos como Marvadeza, Calma Nervo, Bombeirinho, Burrin de Minas, Macunaíma e Rabo de Galo, além da caipirinha, com preços entre R$ 13 e R$ 20. “O belo-horizontino não bebe cachaça”, lamenta. Boa parte dos clientes é de turistas, curiosos com a fama da bebida.
Mercado Novo (3º piso)
Oficina das Facas
Para afastar a pecha de espaço gastronômico e cultural, a curadoria do Mercado tenta atrair outros segmentos da economia criativa. A Oficina das Facas é um desses espaços. Victor Galery aprendeu aos 15 anos com o tio um dos ofícios milenar, a cutelaria, a arte de fabricar artesanalmente facas, adagas, machados, canivetes e outros instrumentos de corte. Hoje, ele repassa o conhecimento em uma oficina de dois dias. O participante aprende os princípios da cutelaria e produz duas facas, ao custo de R$ 850. No ateliê, ele vende facas e outros artefatos. Boa parte da clientela é formada por turistas, reconhece. No ano passado, promoveu no Mercado Novo uma Feira Mineira de Cutelaria, com desafios de corte, afiação de facas, forjamento de peças artesanais, apresentação de esgrima renascentista e workshops.
Vinilleria
O Mercado Novo tem uma curiosa pegada retrô. Desde os anos 80, quando o Vinil perdeu espaço para o CD, os discos de bolacha passaram a ser cultuados por uma galera da cultura atenada com a cultura pop ou de mais idade. O principal argumento é que o vinil entrega muito mais em termos de qualidade sonora e de mergulho sensorial no produto, com aquelas capas elaboradas, clássicas. Na Vinilleria, a joia rara é o disco Balaio de Gato, mas há ainda “Getz”, álbum de jazz e bossa-nova lançado em 1964 por João Gilberto, e “Samba, Eu Canto Assim”, quinto álbum de Elis Regina, de 1965.
Marioneta
Ao montar um ateliê aberto no Mercado Novo, o estilista Ronaldo Fraga direcionou muitos olhares para o Mercado Novo. O Grupo de Teatro Giramundo, por exemplo, inaugurou a loja Marioneta em 30/11 no terceiro piso. O sonho de montar a loja de bonecos surgiu durante a turnê do grupo em Charleville-Mézières, na França, conhecida como a capital internacional do teatro de bonecos, conta Beatriz Apocalyse. Bia, como é chamada pelos amigos, e o parceiro Aluizer Malab maturaram a ideia e escolheram o Mercado Novo para abrir o espaço. “O Mercado tem um público diferenciado”, justifica.
Dos 1.700 bonecos do acervo, cerca de 20 réplicas estão à venda e bob encomenda, entre bonecos de madeira, de madeira com pano, de vara e marionetes, além de camisetas, copos, bolsas e livros do Giramundo. Os preços variam de R$ 69 a R$ 600. Em fevereiro, o Giramundo abre as inscrições para uma oficina. Bia conta que o espaço no terceiro piso será um terreno para aprendizados e pockets shows. O arquiteto Flávio Carsalade, responsável pelo projeto da sede do grupo no bairro Floresta, está adaptando um pequeno teatro junto à loja e ao ateliê dedicado a revelar a magia dessa arte milenar.
Cerâmica Gláucio Galvão
O ceramista Gláucio Galvão é outro artista que se sentiu seduzido pela proposta e pela estética do Mercado Novo e abriu uma loja o recém-habitado terceiro piso. Aproveitando a arquitetura do lugar, ele criou seus próprios cobogós para criar a marca de sua loja, que fica ao lado de seu ateliê. Ele oferece ao visitante utilitários domésticos em cerâmica e painéis de azulejo, técnica essa descoberta em uma viagem a Portugal e Espanha. Foi a virada que precisava para dar uma guinada profissional.
A técnica da corda seca é usada na pintura de baixo relevo feita em cerâmica. Depois de se moldar a argila, e se pintar a peça, a cerâmica vai para um forno especial. técnica era empregada nas culturas do Oriente Médio, Península Ibérica e civilização Inca. O ceramista ainda ministra cursos individuais com duração de três horas para dar introdução à cerâmica aos interessados, incluindo esmaltação e queima, ao preço de R$ 380. Em suas peças, o artista transita entre a tradição e o sagrado com leveza e beleza.
Comidaria Guerra
Primeira loja a ocupar um espaço no terceiro piso, a Comidaria Guerra é um restaurante com proposta vegana e vegetariana. A chef Marcela Guerra prepara com ingredientes frescos e naturais um cardápio de pratos, sanduíches, tostados e doces, pensando ainda naquele público com intolerância à lactose. Seu carro-chefe é o estrogolove, estrogonofe de cogumelos e grão-de-bico, acompanhado de arroz integral e batata palha (R$ 37). Outras dicas são o trio de tostados tipo bruschetta (R$ 25) e a porção de croquete de milho (R$ 32), acompanhados da tradicional limonada, parceria realizada com o Mercado Central.
Café Magrí
O biólogo Rafael Martins Brito e a esposa, a publicitária Marília Balzani, desviram de rota na profissão e montaram o Café Magrí no bairro de Lourdes. A proposta era juntar os aromas de uma cafeteria com as possibilidades de um restaurante. A curadoria privilegia insumos sem conservantes e que possam ser comprados de pequenos produtores, respeitando a sazonalidade dos produtos. Batizada em homenagem ao artista surrealista belga René Magritte, a casa oferece combo de brunch – o do momento é o combo de Natal – sanduíches e petiscos, além de uma carta de cafés coados e sobremesas com café.
O carro-chefe é o queijo quente com pão de miga tostado na manteiga, recheado com raspas de requeijão, mel à parte e flor de sal (R$ 16). Entre os combos, experimente o de Natal, toast de salpicão com batata palha mais rabanada de creme inglês de café e sorvete, servido com café coado ou suco de uva (R$ 65), que em breve será substituído por um combo de Carnaval. Ou ainda a rabanada no pão macio com creme inglês de café, sorvete de leite com raspas de laranja e frutas cristalizadas (R$ 30), tudo levado à mesa em delicadas louças pintadas à mão. Finalize a degustação com sorvete de café.