No oitavo dia de discussões, inúmeros paineis e ainda apreensão em torno do grand finale da Conferência das Mudanças Climáticas da ONU, a COP 29, que reúne especialistas, pesquisadores, sociedade civil organizada e representantes de alto escalão de 198 nações em Baku, no Azerbaijão, o tema foi centrado no tripé indispensável para a manutenção de vida no planeta: alimentos, agricultura e água.
Na visão do biólogo Thiago Metzker e do urbanista Sérgio Myssior, sócios do Grupo MYR e que participam do evento como observadores internacionais, se os eventos climáticos extremos continuarem ocorrendo, eles vão atingir em cheio a cadeia da segurança alimentar. “Isso porque o último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, organização científico-política criada pela ONU e que reúne cientistas do mundo todo) indica que a temperatura do planeta tem aumentado e, provavelmente, não vamos manter em 1.5ºC a elevação de temperatura média”, sinaliza Metzker.
O especialista explica que “essa elevação da temperatura média é a responsável pelos impactos mais significativos, como o aumento dos eventos climáticos extremos, que afetam todo o sistema hídrico dos rios voadores, que têm influência direta na Amazônia, provocando tempestades mais fortes, secas mais severas e consequências ainda maiores para a agricultura”.
Uma nova análise da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) conclui que quase todos os países identificam os sistemas agroalimentares como uma prioridade para a adaptação às alterações climáticas (94%) e a mitigação (91%) nas suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que devem ser atualizadas no início de 2025.
O diretor-Geral da FAO, QU Dongyu, afirmou na COP 29 que “a única maneira de reduzir as emissões de carbono e restaurar a natureza no caminho para limitar o aquecimento global a 1.5ºC é transformar nossos sistemas agroalimentares globais, que devem ser mais eficientes, mais inclusivos, mais resilientes e mais sustentáveis para alcançar o Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”.
Conexão entre COP 29 e G20
O tema desta terça-feira (19) no Azerbaijão está conectado à iniciativa brasileira lançada na Cúpula do G20, no Rio de Janeiro, pelo presidente Luiz Inácio da Silva: a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que prevê em torno de 50 possibilidades de ação para transformar uma realidade que afeta mais de 700 milhões de pessoas no mundo. A ideia é que as propostas sejam adaptadas aos contextos nacionais específicos.
Nesta terça, durante a terceira e última sessão de reunião dos líderes do G20 - grupos das principais economias do mundo -, Lula defendeu que os países desenvolvidos do G20 adiantem, em até 10 anos, as metas de neutralidades climáticas atualmente previstas para 2050, como forma de combater o aquecimento global e as mudanças climáticas. A neutralidade climática é quando um país consegue compensar toda a emissão de gases poluentes com medidas como sequestro de carbono. “Mesmo que não caminhemos na mesma velocidade, todos podemos dar um passo a mais”, disse o presidente brasileiro, que se aproveitou da presença de chefes de Estado e de governos para cobrar mais responsabilidade dos países mais industrializados, que têm histórico maior de emissões de gases do efeito estufa.
“Nossa bússola continua sendo o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Esse é um imperativo da justiça climática”, disse Lula, que acrescentou: “sem assumir suas responsabilidades históricas, as nações ricas não terão credibilidade para exigir ambição dos demais”.
Ministério da Agricultura fala sobre sistema alimentar justo e sustentável
Durante sua apresentação no painel “Transição de um sistema alimentar saudável, sustentável e justo: oportunidades econômicas”, Ernesto Augustin, representando o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), destacou o
Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas (PNCPD), uma iniciativa prioritária para o Brasil, que busca promover o uso sustentável de cerca de 40 milhões de hectares de pastagens.
Segundo o assessor especial do Mapa, programas inovadores como o PNCPD reforçam o compromisso de intensificar a produção de alimentos sem ampliar o desmatamento, adotando práticas agrícolas que também contribuem para a redução da emissão de carbono. “Dessa forma, o Brasil se posiciona como um modelo de produção sustentável no cenário global. Temos todas as condições necessárias para a implementação bem-sucedida do programa, incluindo produtores empreendedores, tecnologias avançadas e taxas de juros atrativas para financiamentos”, disse.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que também participa da COP 29, defende, entre outros pontos, que o agro é parte importante da solução para garantir a segurança alimentar, energética e climática no mundo e para contribuir com a redução de gases de efeito estufa (GEE). A entidade acredita que implementar ações climáticas na agricultura com apoio dos produtores rurais brasileiros está dentro das metas de mitigação e adaptação às mudanças do clima.
Dados da ONU no relatório O estado da segurança alimentar e da nutrição no mundo indicam que, em 2023, 733 milhões de pessoas no mundo passavam fome, um cenário que pode ter se aprofundado com as guerras entre Rússia e Ucrânia e Israel e Palestina/Líbano. O documento mostrou que o mundo está falhando em alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2, Fome Zero, até 2030, e que as nações retrocederam 15 anos, com níveis de desnutrição comparáveis aos de 2008-2009.
Avanços precisam ocorrer agora para êxito da COP 30, em Belém
A COP 30, a ser realizada em Belém (PA), em 2025, marcará os 10 anos do Acordo de Paris, quando os países se comprometeram a assumir metas de redução de GEEs por meio das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que devem ser atualizadas em 2025.
“Para que a COP 30 tenha êxito, dizem especialistas, além dos valores colocados para o financiamento climático, os negociadores que estão em Baku precisam avançar com o andamento do cronograma do Grupo de Sharm El-Sheikh (ações climáticas na agricultura e segurança alimentar); consolidação das negociações referentes ao mercado de carbono; e atenção especial aos acordos e declarações de alto nível político (acordos não negociados), que ainda não mostraram evolução na COP 29”, analisa Sérgio Myssior.
Conforme pontuado pela Secretária de Mudança do Clima (MMA), Ana Toni, “temos repetido que o sucesso da COP 30 depende do sucesso da COP 29, financiamento público é absolutamente fundamental. Obviamente, como debatemos no G20, nós queremos e precisamos mobilizar mais do que somente o financiamento público, contemplando recursos privados, mas para mobilizar precisaremos de uma sinalização muito forte do financiamento público.” Neste sentido, o encaminhamento resultante da reunião do G20, grupo que reuniu os países detentores de 85% do PIB mundial, é visto como um elemento determinante para destravar acordos mais ambiciosos na controversa e amarga conta que deve ser assumida pelos países desenvolvidos.
O discurso do presidente da China, Xi Jinping, durante a 19ª Cúpula de Líderes do G20, na segunda-feira (18), também foi visto como uma sinalização para elevar as vozes do Sul Global, em resposta à demora nas negociações com os países desenvolvidos. O documento que trata do financiamento climático encontra-se em discussão nas salas de Baku e espera-se que a COP 29 possa surpreender com algum anúncio nos próximos dias.
E MAIS….
PMEs conectadas aos negócios verdes
O Sebrae assinou, em Baku, na semana passada, uma declaração inédita para apoiar os pequenos negócios a realizarem transição verde e criarem agendas no contexto climático global. O compromisso foi firmado conjuntamente com o International Trade Centre (ITC) e a Small and Medium Business Development Agency do Azerbaijão, e convida outras instituições internacionais a apoiarem a iniciativa. A Declaração das PMEs – a primeira deste tipo – ajudaria a estabelecer pequenas empresas como um grupo chave para se engajar no avanço da transição verde, com vistas para a COP 30 no Brasil.
“Sustentabilidade não pode ser apenas para uma parte da Humanidade, precisa ser para todos. Os pequenos negócios são a maioria do planeta. É preciso haver, nos países, um processo protetivo para as pequenas economias, para que alcancem a própria sustentabilidade em um sistema que não foi feito para eles”, enfatizou o presidente do Sebrae, Décio Lima.
(Com informações da Agência Brasil e CNA)
*Correspondentes especiais de O TEMPO na COP29