A 3a Reunião Ministerial sobre Urbanização e Mudanças Climáticas abriu as discussões de alto nível no dia dedicado à urbanização, transporte e turismo, na programação da Conferência das Partes sobre as Mudanças Climáticas (COP 29), em Baku. O encontro apresentou um balanço do progresso na urbanização sustentável e ação climática multinível e multissetorial, por meio dos "Caminhos de Ações Multissetoriais (MAP)" e da "Coalizão para Parcerias Multinível de Alta Ambição (CHAMP)" para Cidades Resilientes e Saudáveis.

De acordo com o Relatório Mundial das Cidades 2024, apresentado recentemente pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), as cidades não apenas estão desproporcionalmente expostas aos seus impactos, mas também são responsáveis ​​por gerar uma grande parcela das emissões globais. O relatório aponta que, em média, a abrangência de espaços verdes em áreas urbanas despencou de 19,5 % em 1990 para 13,9% em 2020, em todo o mundo.

O documento, que destaca os desafios urgentes impostos pelas mudanças climáticas e pela rápida urbanização em todo o mundo, aponta um significativo déficit de financiamento para infraestrutura urbana resiliente. Os dados ainda revelam que cidades necessitam de um montante estimado entre 4,5 e 5,4 trilhões de dólares por ano para desenvolver e manter sistemas resilientes ao clima, mas o financiamento atual é de apenas 831 bilhões de dólares.

Uma das conclusões do relatório demonstra que, diante da ausência de apoio nacional e internacional, cidades de todo o mundo estão se mobilizando para buscar soluções e fortalecer sua resiliência coletiva, demonstrando que é possível dissociar o desenvolvimento urbano do aumento das emissões. As análises evidenciam que as áreas urbanas estão sendo vistas não apenas como parte do problema, mas também como parte da solução.

A diretora Executiva do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), Anacláudia Rossbach, trouxe para a pauta da 3a Reunião Ministerial a importância de se colocar o planejamento urbano no centro das discussões globais sobre mudanças climáticas. Rossbach defende a inclusão efetiva de jovens na busca por soluções para a crise habitacional e na construção de cidades mais inclusivas e sustentáveis. A diretora acredita que a maneira como a juventude se relaciona com as cidades traz um novo olhar para a análise das informações e dados – direcionamento fundamental para criação de políticas públicas futuras mais efetivas para o enfrentamento da crise habitacional.

A maior parte da população brasileira vive em territórios urbanos (84%), e as cidades já enfrentam as consequências das mudanças climáticas. De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios, somente duas em cada 10 cidades brasileiras estariam preparadas para enfrentar as consequências das mudanças do clima. Hoje, nas grandes cidades, percebemos com clareza o aumento a cada ano de eventos mais extremos como inundações severas, deslizamentos de terra mais agressivos, proliferação de casos de arboviroses (como dengue e chikungunya), além das ondas de calor. 

Vemos o debate do urbanismo x mudanças climáticas, proposto nesta quarta-feira (20), na COP 29, numa reunião ministerial multinível, como um campo de oportunidades para o apontamento de novas soluções, novos modelos de desenvolvimento urbano e para que possamos repensar e reorientar o desenvolvimento de cidades para locais cada vez mais humanos, mais sustentáveis e resilientes, e, principalmente, que sejam espaços que possam entregar condições para melhoria da qualidade de vida das pessoas, com foco na redução das desigualdades sociais que se abatem sobre o território urbano. 

Federalismo climático 

As cidades podem sim ser um campo de oportunidade, de desenvolvimento, de igualdade e até mesmo de justiça climática. O nosso dia a dia é afetado por esses temas, e na reunião ministerial desta quarta-feira (20), vimos manifestações importantes, como a ideia do federalismo climático, colocada pelo Brasil na COP 29 via NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), que indicam o compromisso do país para a redução das emissões de gases de efeito estufa até 2035. O federalismo climático aborda as questões locais e regionais, e chama a atenção para a adaptação das cidades na construção dessa pauta.

Habitação, mobilidade e trabalho

Outro tema nos paineis da COP 29 sobre urbanismo abordou a questão da habitação. Pesquisa recente da Fundação João Pinheiro (FJP) mostrou que mais de 41% dos domicílios brasileiros estão em condições inadequadas, ou seja, não contam com infraestrutura mínima no seu entorno, seja de abastecimento de água, coleta e tratamento de efluentes, coleta de resíduos sólidos e questões de drenagem urbana; além de inadequação em sua própria estrutura, como cobertura, piso de terra batida ou ausência de sanitário. 

Isso tudo coloca a habitação como centralidade também do enfrentamento das mudanças climáticas, em busca de melhorias nas edificações. É preciso que os municípios repensem o tecido urbano como um todo para que as pessoas possam estar mais próximas das oportunidades de trabalho e renda, por exemplo. Nesse sentido, a mobilidade tem um papel fundamental e não se trata apenas de trocar um carro com motor a combustão por um carro elétrico.

Claro que isso é muito importante, mas precisamos melhorar a mobilidade para que as pessoas possam consumir o menor tempo entre a casa e o trabalho, podendo usufruir de um transporte coletivo de qualidade, fazer deslocamentos a pé ou de bicicleta. A qualidade do ar nas cidades também é resultado, entre diversos fatores, da mobilidade urbana, já que esta responde que o setor de transporte responde por algo entre 50% a 65% das emissões nas grandes cidades, de acordo com os inventários de diversas capitais brasileiras. Toda essa mudança impacta a qualidade de vida, a qualidade do ar e reduz as emissões de gases. 

Infraestrutura verde 

Outra temática abordada pela reunião ministerial diz respeito às soluções baseadas na natureza, ou seja, é um novo portfólio de soluções, sejam elas tecnológicas, sejam de infraestrutura urbana, que vão substituindo gradativamente a chamada infraestrutura cinza por uma infraestrutura verde, mais adaptada ao nosso cenário e que pode lidar melhor com as questões das mudanças climáticas.

Estamos falando em corredores ecológicos, em recomposição de matas ciliares dentro do ambiente urbano, em arborização urbana e melhoria da permeabilidade do nosso solo para que a chuva no momento de pico possa se infiltrar e ser retida pelo terreno natural - soluções no campo da micro e da macrodrenagem que promovem a recarga dos lençois freáticos. 

Recursos financeiros

Vemos que as cidades têm essa incrível capacidade de contribuir para o enfrentamento das mudanças climáticas, elas podem sim se adaptar a esse novo cenário, mas naturalmente vão precisar de recursos financeiros e projetos inovadores, como esses que incluem os elementos verdes e que vão aos poucos alterando o desenvolvimento local, para que a gente tenha uma cidade cada vez mais sustentável e cada vez mais resiliente aos eventos extremos. Apesar de serem tão importantes no cenário global, as cidades recebem apenas 5% dos recursos necessários para adaptação climática. 

*Correspondentes especiais de O TEMPO na COP29