O desempenho da economia nos Estados Unidos pode superar pautas históricas – e sensíveis aos norte-americanos – na decisão da acirrada disputa entre Donald Trump (Republicanos) e Kamala Harris (Democratas) pela Casa Branca. Em um cenário de empate técnico, com ligeira vantagem ao ex-presidente, no pleito de amanhã ao menos 43% da população votará com um sentimento de preocupação econômica, de acordo com levantamento feito pelo Gallup News.
O índice apontado na pesquisa é o mais alto registrado às vésperas de uma eleição presidencial no país desde 2012, quando o percentual chegou a 72% antes dos votos serem depositados nas urnas. Em 2016 e 2020, os resultados foram de 31% e 14%, respectivamente. O temor com o desempenho tributário e fiscal do país surge em meio a um período de alta inflação, decorrente dos desdobramentos da pandemia de Covid-19 e dos impactos da guerra entre Ucrânia e Rússia.
Em maio de 2022, o PCE, que mede o Índice de Preços de Despesas de Consumo Pessoal nos Estados Unidos, alcançou 9,2% em 12 meses, em comparação com o mesmo período de 2021. Esse foi o maior índice registrado no país em 41 anos, conforme dados do Federal Reserve (Fed), instituição semelhante ao Banco Central (BC) no Brasil.
O crescimento inflacionário no país se acentuou em janeiro de 2021 e só começou a ser controlado em meados de 2023, chegando aos atuais 2,2%. O cientista político e professor de Relações Internacionais do Ibmec-BH Mario Schettino afirmou que o temor econômico durante uma eleição presidencial não é inédito nos Estados Unidos. Entretanto, em um cenário recente, os números da inflação desequilibram a balança.
“A inflação teve um crescimento pós-pandemia e com a guerra entre Rússia e Ucrânia. Essa inflação foi controlada de maneira mais lenta do que no Brasil, mas o nível do custo de vida aumentou para uma população que não estava acostumada a conviver com inflação. Isso impacta o dia a dia, e, portanto, a imagem do governo não é tão positiva nesse aspecto econômico”, explicou o professor.
Entre 2015 e 2020, o movimento de carestia nos Estados Unidos variou entre 0,5% e 2,3%. Esse cenário gera uma preocupação para Kamala Harris. De acordo com o docente, mesmo com a queda da inflação após medidas do governo de Joe Biden, a alta do custo de vida pode dar aos eleitores a percepção de que os preços continuam subindo, fortalecendo um sentimento de desalento com a economia.
“A percepção das pessoas é de que os preços aumentaram e continuam aumentando, ainda que em um ritmo mais lento e controlado”, sublinhou Schettino. O tema, porém, também preocupa a campanha de Donald Trump. As propostas do candidato republicano incluem isenções fiscais, eliminação de impostos da Previdência Social e aumento de tarifas sobre produtos importados, entre outros pontos.
“Economistas avaliam que a política econômica proposta por Trump causará inflação e piorará a economia. E a campanha de Kamala Harris tenta colar isso à imagem dele”, assinalou o professor. Em entrevista à Bloomberg, Trump reconheceu o risco de aumento da dívida pública, mas defendeu seu plano econômico, afirmando que as propostas estão “focadas no crescimento”.
Disputa regional
Com a economia em primeiro plano, a influência de temas como flexibilização das leis sobre o aborto, liberação de armas para a população, controle imigratório, assistência médica pública e segurança internacional não deve ser decisiva para reduzir o acirramento da disputa. O agregador de pesquisas do site FiveThirtyEight, que compila os resultados de sondagens feitas desde o início da campanha, aponta um cenário de 52% de chances de vitória para Trump, contra 48% para Harris.
Mario Schettino destacou que questões como aborto e direitos humanos, por exemplo, têm imagem mais associada aos democratas. No entanto, a decisão do eleitor pode ser influenciada por contextos regionais. Em 2022, a Suprema Corte dos EUA derrubou uma decisão de 1973 que tornava o aborto legal em todo o país. Com isso, os governos estaduais passaram a ter mais autonomia para editar leis sobre o tema.
“Apesar de o aborto ter uma imagem mais positiva entre os democratas, em algumas eleições não há correspondência entre o voto conservador em Trump e a posição antiaborto. Não é um voto necessariamente casado”, afirmou o professor.