Nome improvável para a corrida eleitoral dos Estados Unidos, a vice-presidente Kamala Harris, 60, deu novo fôlego à candidatura do Partido Democrata ao ser indicada, em agosto deste ano, para concorrer à Casa Branca. Primeira mulher a tornar-se procuradora geral da Califórnia, primeira negra eleita senadora pelo mesmo Estado e primeira mulher a ocupar o cargo atual, entre outras conquistas, ela pode dar o maior passo no seu histórico de pioneirismo se for eleita a primeira mulher presidente do país.

Entretanto, o feito que ao menos outras 31 tentaram alcançar desde 1872 não tem sido o foco de Kamala para conquistar o eleitorado norte-americano. Tampouco a questão racial. Com fala firme e contundente e jeito de advogada linha-dura, ela tem apostado em seu perfil combativo, na trajetória pessoal e na vivência profissional para afirmar que está qualificada a comandar a maior potência global e ser a nova geração de liderança.

Kamala Harris nasceu em Oakland, na Califórnia, em uma família de classe média. Filha da cientista e pesquisadora Shyamala Gopalan, indiana, e do professor aposentado Donald J. Harris, jamaicano, destacou-se como promotora e procuradora pela rigidez com que lidava com os crimes. Entrou para a política em 2015, ano em que se elegeu senadora. Em 2020, foi escolhida como vice na chapa com o atual presidente Joe Biden, que desistiu de tentar a reeleição neste ano.

Com atuação de certa forma modesta no início do mandato, ela ganhou protagonismo à frente de pautas progressistas, especialmente em relação ao direito reprodutivo. “Defende a volta do direito ao aborto, que foi recentemente vítima de retrocesso na Suprema Corte, defende posições migratórias mais amplas, direito das minorias de forma mais aberta e mais progressista. Porém, não está à esquerda do Partido Democrata. É uma visão talvez mais de centro-esquerda sobre esses diversos temas”, avalia o cientista político Leandro Consentino, professor do Insper.

Docente de política internacional do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Lucas Pereira Rezende acrescenta que Kamala tem uma agenda mais aberta e democrática em relação ao adversário. E representa renovação política em um contexto com Biden e Donald Trump. “Quando ela entrou na disputa, conseguiu ter uma mobilização grande entre os democratas e reconquistar parte do eleitorado”, completa. (Com AFP)

Olhar inclusivo por uma democracia ‘mais participativa’

Para além de temas relativos à economia e daqueles considerados sensíveis, como as pautas de costumes, questões de raça, etnia, gênero e idade influenciam as eleições norte-americanas em 2024 e reforçam o antagonismo dos dois candidatos, tanto em termos de valores e opiniões distintas quanto dos próprios perfis. Nesse sentido, o professor do Insper Leandro Cosentino argumenta que Kamala Harris é exatamente o oposto de Donald Trump e do atual presidente Joe Biden. “Ela encarna a figura da mulher, negra, indiana e mais jovem. Representa, de alguma forma, esse perfil do seu eleitorado”, pontua.

Assim, no curtíssimo período de campanha, Kamala tem tentado angariar votos entre esses grupos. Ao mesmo tempo, o professor de política internacional da UFMG Lucas Rezende lembra que o posicionamento de defesa das minorias a afasta de pessoas que resistem a um governo multirracial e mais participativo. “Esses temas estão muito em debate. É reflexo de uma divisão da sociedade estadunidense. Do lado democrata, Kamala Harris representa a busca para construir uma democracia mais inclusiva dentro da sociedade americana, um olhar mais voltado ao social”, define. 

Consentino reforça que a candidata, considerada uma liderança em ascensão, buscou o endosso da população mais jovem, dos imigrantes, além de grandes lideranças do Partido Democrata, tendo como principal nome ao seu lado o ex-presidente Barack Obama. Ela também conquistou adesões importantes na mídia, a exemplo da cantora Beyoncé.

Kamala Harris e o presidente Joe Biden

Pontos fracos

Status quo. Se a juventude de Kamala Harris pode significar renovação, a posição dela como vice de Joe Biden pode indicar continuidade do status quo, o que não é positivo. O cientista político Lucas Pereira ressalta que, embora Biden tenha feito avanços significativos na economia, os eleitores ainda não percebem e estão insatisfeitos há alguns anos. 

Economia. “Hoje essa relação com Biden é tida como uma desvantagem. É uma fragilidade para Kamala não trazer uma nova alternativa de modelo econômico”, destaca Pereira. Inflação elevada, juros altos para os padrões americanos e carga tributária são alguns dos assuntos centrais.

Imigração. A situação na fronteira com o México é um tema espinhoso e sensível para o país. E Kamala se mostra na defensiva sobre a questão, enquanto republicanos a apelidaram de “czar da fronteira”, a fim de associá-la ao pico de entradas ilegais de imigrantes na gestão Joe Biden.