A Argentina ainda tem um longo caminho para andar tranquilamente nos trilhos em diversos aspectos, principalmente em relação à melhora das condições de vida da população. Ao mesmo tempo, o presidente Javier Milei conseguiu avanços econômicos importantes – e surpreendentes – em apenas um ano à frente da Casa Rosada. O grande destaque é a expressiva desaceleração da inflação, alcançada por meio da eliminação da emissão monetária e do ajuste no gasto público. Os esforços ainda resultam em dez meses consecutivos de superávit primário – após 12 anos sem arrecadação maior do que as despesas correntes. “Um milagre econômico”, define o próprio Milei, que é acompanhado por inúmeros analistas.
A explicação para o “milagre”, no entanto, tem nome: redução dos gastos públicos ou “déficit zero” – aliado a algumas reformas microeconômicas. Para o presidente da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira de São Paulo (Camarbra), Federico Servideo, essa medida está no centro de tudo e é fruto de um “programa de choque”. “Foi impulsionada por uma combinação de fatores, incluindo queda nos investimentos, diminuição de transferências aos Estados, corte de subsídios em tarifas de serviços públicos essenciais e impacto da inércia inflacionária nos primeiros meses de governo”, detalha.
Professor de economia do Ibmec Belo Horizonte, Paulo Pacheco acrescenta que, com essas iniciativas, o superávit argentino foi conquistado muito rapidamente, o que permite diminuir a quantidade de dinheiro disponível no mercado e desacelerar a inflação. “É menos dinheiro procurando produtos e serviços. Quando isso acontece, os preços caem. É a relação de oferta e demanda, como em qualquer economia, e mostra que a inflação é um efeito monetário”, comenta.
Outro aspecto relevante, conforme Pacheco, é que o governo conseguiu levar capital externo novamente para a Argentina, ao liberar a entrada de dólares. “Perdoando capital de argentinos fora para voltar para o país, ele recuperou reservas externas. Também reduziu tarifas de importação, o que deve ter um impacto futuro sobre a inflação, dado que produtos vão entrar mais baratos na Argentina”, complementa. “Esse um ano de Milei mostra uma nova experiência liberal. Ele tem como ideário a escola austríaca, segundo a qual o Estado faz mal à população. Então se reduz o tamanho de impostos, e tem a intenção de devolver a liberdade. É um processo que ocorreu no passado, com sucesso, em países menores, como Estônia, Lituânia”, relata.
Condicionantes. No entanto, Servideo enfatiza que a continuidade e a eficácia desse programa implementado por Milei dependerão do crescimento econômico do país, impulsionado por uma combinação de investimentos e expansão do consumo privado. “Com essa dinâmica, a expectativa é que a Argentina retome o crescimento econômico em 2025, revertendo a contração de 2024 e garantindo a sustentabilidade do plano econômico no longo prazo”, afirma.
Os principais riscos, conforme o presidente da Camarbra, residem na incapacidade do governo de implementar reformas com velocidade e intensidade necessárias para viabilizar a recuperação econômica. Esses desafios decorrem, por um lado, da baixa representatividade do partido de Milei no Congresso e, por outro, de possíveis atrasos ou falhas na execução de medidas que impulsionem investimentos e expansão.
Desempenho do PIB permanece negativo em 2024, e recuperação é desafio para 2025
Entre os muitos êxitos da política econômica de Javier Milei, o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) é um dos pontos que destoam. Em 2024, a expectativa é que o indicador ainda seja negativo em cerca de 3%. Assim, o desafio para o ano que vem é inverter essa trajetória. “Atualmente, a governabilidade do presidente Milei está sustentada no êxito do controle da inflação. Contudo, em 2025, essa conquista isolada não será suficiente. O crescimento econômico se torna, portanto, um fator crítico para o sucesso e a consolidação do governo”, pontua Federico Servideo, da Camarbra
Ele avalia que a recuperação efetiva dependerá da consolidação do controle da inflação, da retomada significativa de investimentos e do crédito para investimentos e consumos de bens duráveis”, ressalta. Mas lembra que existe certa concordância entre os analistas de que o pior já passou e que, de agora em adiante, haverá crescimento, principalmente em relação à recuperação do poder de compra dos trabalhadores.
Servideo cita que alguns setores, notadamente aqueles nos quais a Argentina é competitiva, começam a retomada, mas outros relevantes, atrelados a consumo e crédito, estão com dificuldade. “Do lado empresarial, percebe-se entusiasmo moderado. (...) Algumas indústrias demonstram preocupação com a abertura econômica e a redução de encargos sobre importações, temendo que uma transição malplanejada comprometa a competitividade”, diz.
Peso tem a maior valorização em relação ao dólar
Há um ano, quem acreditaria que o peso argentino seria a moeda com maior valorização de 2024? Parecia impossível, mas levantamento da GMA Capital, elaborado com dados do Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), aponta que, entre dezembro de 2023 e outubro deste ano, a moeda argentina foi a que mais teve ganho em relação ao dólar. A alta é de 40,1% no período. O ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, disse que o “cepo”, apelido das restrições de acesso a dólares no país, deverá ser retirado em 2025.
Bolsa argentina é a que mais sobe no mundo
A Bolsa de Valores da Argentina lidera o ranking de ganhos em 2024, na comparação com 20 mercados mundiais. O S&P Merval, principal índice argentino, acumula rentabilidade de 63,4% até 31 de outubro, mais que o dobro do segundo colocado (FTSE China 50). Os dados são da Elos Ayta. “Isso mostra que o mundo inteiro olha com bons olhos o processo que ocorre no país”, diz o economista Paulo Pacheco, do Ibmec. No dia 1º de novembro, o Banco Central fez o sétimo corte de juros no governo Milei. Em 2024, a taxa já caiu de 133% para 35% ao ano.