O governo de Joe Biden nos Estados Unidos será encerrado nas próximas semanas com recordes nas relações bilaterais com o Brasil. O investimento público e de agentes do setor privado em território brasileiro deve somar R$ 1 trilhão. Além disso, a emissão de vistos nos consulados norte-americanos chegou a 1,1 milhão em 2023.

A expectativa é encerrar 2024 com um crescimento em relação ao ano passado, de acordo com o porta-voz da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, Luke Ortega. Ele concedeu entrevista a O TEMPO, durante passagem por Belo Horizonte, e falou sobre os interesses da maior economia do mundo no Brasil e fez um balanço das ações do governo Biden. Leia abaixo.

Inicialmente, gostaria que o senhor fizesse um balanço das relações bilaterais entre Estados Unidos e Brasil no governo de Joe Biden em dois recortes: entre 2021 e 2022, com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Palácio do Planalto, e em 2023 e 2024, na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PL). 

Bem, a relação entre os Estados Unidos e o Brasil é uma relação muito forte, profunda que cresceu muito nos últimos anos. Este ano, por exemplo, foi um ano muito importante, porque foi o ano do bicentenário das relações entre os dois países e a gente conseguiu várias conquistas interessantes neste ano. 

Vimos novos recordes na questão do investimento norte-americano aqui no Brasil, estamos agora com US$ 245 bilhões, que é mais de R$ 1 trilhão investidos aqui no Brasil. Para deixar isso mais fácil de entender: de cada US$ 4 que entram no Brasil, um vem dos Estados Unidos hoje. E esses investimentos estão apoiando mais de 500 mil empregos aqui no Brasil e mais de 100 mil empregos nos Estados Unidos.

Então, temos visto um crescimento econômico muito importante neste último ano que também foi marcado pelas grandes exportações brasileiras em termos de produtos industrializados aos Estados Unidos. A gente está prevendo e esperando atingir mais ou menos US$ 80 biliões de comércio bilateral este ano.

Como foi e tem sido a demanda dos brasileiros por vistos?

A gente viu um ano muito importante em termos econômicos, mas também um ano muito importante em termos pessoais. Porque também estávamos quebrando recordes de visitantes brasileiros nos Estados Unidos. No ano passado, por exemplo, emitimos 1,1 milhão de vistos para brasileiros visitarem os Estados Unidos e este ano já emitimos mais de um milhão de vistos. Estamos esperando um leve aumento sobre a quantidade de vistos que foram emitidos no ano passado. 

Por causa de todos esses feitos citados especificamente nos dois últimos anos, você acha que houve uma abertura maior de diálogo com o Brasil no governo Lula? 

Honestamente, eu acredito que não faz muito sentido sempre ficar pensando só nas personalidades, nos líderes dos países. Quando você, por exemplo, vai agendar uma visita a Orlando para levar o seu filho, você não está fazendo isso porque o presidente norte-americano te mandou fazer isso. E nenhuma dessas empresas norte-americanas que têm investido estes US$ 245 bilhões está fazendo somente por causa dos líderes políticos dos países.

O que a gente viu realmente é ligação, uma conexão entre os dois povos, que realmente serve como o motor das relações. É sempre importante ter boas relações entre os dois governos. Mas, para ser absolutamente honesto, a nossa relação vai muito além de simplesmente dois governos. 

No G20, na conversa entre Lula e Biden, houve um reforço e um compromisso muito grande com a manutenção da democracia. Por que essa postura foi tão reforçada? Os EUA têm algum temor com o sistema democrático brasileiro? 

Os Estados Unidos têm confiança nas instituições democráticas brasileiras. Respeitamos a soberania do Brasil de tomar decisões e a soberania do povo brasileiro de tomar decisões. Mas a democracia serve sim como um valor que também funciona como uma base entre os nossos países, não somente na questão de eleição ou do judiciário. Mas também olhando na questão dos povos, de entender se a gente está criando oportunidades para inclusão de todos os nossos povos nas nossas economias e nas nossas sociedades - algo que têm sido se uma grande prioridade especialmente para o presidente Biden e o presidente Lula.

A gente viu isso por exemplo na iniciativa de aumentar a participação dos trabalhadores nas questões do futuro, especialmente na transição energética. Vimos a parceria pelos direitos dos trabalhadores que foi uma iniciativa dos dois presidentes, que acabou tendo um investimento de mais ou menos US$ 20 milhões, também teve adesão da África do Sul nessa iniciativa, que levou a questão de como podemos incluir os trabalhadores nos debates especialmente sobre, por exemplo, as mudanças climáticas.

E não os debates acadêmicos, mas os debates concretos. Por exemplo, o que a gente viu nos Estados Unidos é que a causa mais importante de mortes climáticas é o calor. Eu sou do estado de Arizona. Quando alguém está lá construindo um prédio no calor, isso é perigoso. Então, incluímos os trabalhadores nessas discussões de como os governos deviam lidar, por exemplo, com esse estresse de calor. Os dois países têm trabalhado muito nessa área durante o último ano a e é uma área onde vai continuar trabalhando.

No G20, os EUA anunciaram investimentos florestais para a Amazônia, em transição energética, apoio na expansão da rede de fibra óptica no Brasil. Os EUA observam que o Brasil tem gargalos e dificuldades nessa área? 

Bem, a gente tem visto os benefícios econômicos de ter uma população mais conectada, com mais ferramentas acessíveis para toda a população. Eu mencionei que o governo não pode mandar alguém investir em nenhum setor. Mas neste caso foi uma oportunidade pela Agência de Financiamento e Desenvolvimento dos Estados Unidos em fazer um empréstimo de US$ 630 milhões para apoiar o aumento das conexões digitais no Brasil.

A gente espera atingir em três anos, se não me engano, um milhão de pessoas conectadas através desse investimento de uma agência basicamente governamental dos Estados Unidos, dando um financiamento para uma empresa brasileira que vai fazer essas conexões não só para um milhão de casas, mas também para quatro mil escolas.  

E isso é muito importante porque temos esse objetivo também compartilhado de trabalhar na questão da educação, que é uma grande prioridade pelos Estados Unidos aqui no Brasil: a questão do ensino de inglês e também de apoiar a formação dos professores.

Ainda no G20, qual foi a percepção do presidente Joe Biden, do governo norte-americano sobre a Amazônia, após sobrevoar e caminhar sobre a floresta, e quais os interesses econômicos da Casa Branca naquela região? 

Primeiro é importante destacar que a visita do presidente Biden foi histórica, porque foi a primeira vez que um presidente norte-americano visitou a Amazônia. Então, já vai marcar a história nesse sentido. A gente reconhece, sobretudo, que a Amazônia é brasileira e o Brasil é soberano na questão da Amazônia. Mas a gente sabe que tem jeito de apoiarmos os esforços do Brasil neste sentido.

Por exemplo, quando o presidente Biden estava em Manaus, ele anunciou mais US$ 50 milhões dos Estados Unidos para o Fundo da Amazônia. Também anunciou o apoio dos Estados Unidos para outras iniciativas, do setor privado e setor público, para continuar mobilizando dinheiro na questão da conservação. E é um dinheiro que não vai vir simplesmente dos governos, mas também do setor privado,  reconhecendo a liderança do Brasil.

O que a gente tem visto como uma das marcas principais da administração Biden é a questão de como podemos investir para poder combater a crise climática. Nos Estados Unidos através de legislação nessa área temos investido quase US$ 400 bilhões exatamente para ver como podemos fazer a transição energética ser justa, inclusiva e criar oportunidades para os trabalhadores.

É algo que estamos fazendo na nossa própria casa e respeitamos os esforços do Brasil para também combater a crise climática de um jeito que é sustentável e que realmente inclui todos os brasileiros. 

Falamos em transição energética, mas quero falar de uma outra transição, a de governo. Biden já recebeu Trump na Casa Branca e iniciou esse trabalho. Quais legados do governo Biden e quais prioridades os democratas acreditam ser possível manter no governo Trump na relação com o Brasil?

Obviamente, como diplomata, eu não posso especular demais sobre quais vão ser as políticas implementadas pelo novo governo norte-americano que vai começar realmente no dia 20 de janeiro do ano que vem, quando o presidente eleito Trump vai tomar posse. Mas a prioridade para o governo dos Estados Unidos no Brasil neste momento é de ver como a gente pode continuar aprofundando os vínculos mais fundamentais entre os povos.

É de ver como a gente pode continuar facilitando o processo de visto para visitar os Estados Unidos, como a gente pode continuar facilitando investimentos dos Estados Unidos aqui no Brasil, algo que a gente faz através de vários mecanismos. Inclusive, temos um fórum de CEO’s que vem para o Brasil para ver oportunidades de investimentos, especialmente, no campo da transição energética, e também ver como a gente pode continuar trabalhando com o setor privado aqui no Brasil para continuar fazendo crescer essas exportações para os Estados Unidos, e as importações também,  que são necessárias para sustentar esses 600 mil empregos entre os dois países.

Então, a nossa prioridade neste momento de transição é focar no que nunca vai mudar: a relação forte entre os povos dos seus países.