No sábado, 22 de maio de 2021, 172 corredores passaram pela linha de largada para um desafio extremo. A prova era a Ultramaratona de Gansu (CHI), que tinha um trajeto de 100 quilômetros pelos vales e montanhas do Yellow River Stone Forest. O que deveria ser uma celebração se transformou em tragédia, uma vez que nenhum dos competidores cruzou a linha de chegada e 21 deles morreram.
Essa seria a quarta edição da Ultramaratona de Gansu, e a expectativa, devido às dificuldades do terreno e da distância, era de que a maioria dos participantes levasse, ao menos, 20 horas para completar a prova. Do outro lado da linha quadriculada, um prêmio de 1600 yuan (cerca de R$770) esperava os corredores.
Nos dias anteriores à largada, o tempo na província de Jingtai era ameno, com sol firme e céu sem nuvens. Já o dia 22 de maio amanheceu um pouco mais frio, e os corredores, que se prepararam usando roupas mais frescas, como camisetas e shorts curtos, contavam com o aumento da temperatura ao longo das horas.
A Ultramaratona de Gansu: tragédia impossível de esquecer
Às 9h da manhã, quando a corrida iniciou, a temperatura local era cerca de 7°C. À medida que os participantes subiam as montanhas nos primeiros quilômetros, o dia ficou ainda mais frio, acompanhado ainda de chuva leve e até flocos de neve.
Entre os checkpoints 2 e 3, localizados no km 24 e km 32.5, respectivamente, estava a área mais aberta e fria, com poucas árvores e praticamente nenhum abrigo. Devido à chuva e os ventos fortes, que abaixavam drasticamente a sensação térmica, as placas que assinalavam o caminho haviam sido arrancadas, e os líderes da corrida ficaram perdidos e em condições extremas.
Todos os participantes da Ultramaratona de Gansu receberam um botão de emergência com GPS, mas por volta do meio-dia, quando o primeiro corredor acionou o socorro, não recebeu nenhum tipo de resposta. Outros atletas, chegando na área mais difícil, tentaram usar seus próprios aparelhos telefônicos para chamar o resgate, mas a zona, infelizmente, não tinha sinal de telefonia.
Em temperaturas congelantes e pouca assistência da organização da prova, alguns corredores tentaram voltar pelo mesmo caminho. Já outros decidiram insistir, na esperança que o tempo melhoraria, e alguns ficaram parados e juntos para se aquecerem. Na situação desesperadora, muitos participantes começaram a desmaiar, já sofrendo os efeitos da hipotermia.
Resgate com ajuda local
Foi um morador da província, que cuidava de suas ovelhas apesar do frio, o primeiro a encontrar dezenas de corredores pedindo ajuda. Ele conseguiu escoltar seis de volta para uma caverna, fez uma fogueira para os aquecer, mas quando retornou em busca de mais atletas, já encontrou três deles mortos devido ao frio extremo.
O herói improvável chegou a descer para a cidade e contatar outros moradores, e muitos escalaram as montanhas com cobertores e outros itens em busca de sobreviventes. Os locais estavam por lá cerca de uma hora antes dos socorristas, que além de ‘atrasados’, ainda sofreram muito por não conhecer o local e precisavam de ajuda dos moradores para se localizarem.
Segundo documentos da investigação, os bombeiros que atuaram no resgate não estavam treinados para identificar sinais de hipotermia e não tentaram reanimar alguns corredores que já “aparentavam estar mortos”.
A organização da Ultramaratona de Gansu havia contratado uma equipe de resgate, antecipando que um ou dois participantes precisariam de ajuda, porém, a equipe não tinha condições de resgatar as centenas de pessoas em perigo.
No dia seguinte a operação de resgate foi encerrada e o número oficial de mortos divulgado: 21 (18 homens e 3 mulheres), entre corredores profissionais e amadores, incluindo alguns dos maiores ultramaratonistas da China, Liang Jing e Huang Guanjun. Ou seja, um a cada oito participantes faleceu. Inúmeros outros foram hospitalizados.
E depois da corrida?
Sete organizadores do evento foram indiciados e condenados a uma pena de até 6 anos de prisão. A investigação concluiu que houve negligência por parte da organização, que permitiu a largada mesmo com avisos de temperaturas extremas.
Eles também foram responsabilizados pela falta de estrutura de socorro, checkpoints insuficientes e falta de equipamentos obrigatórios individuais para os participantes navegarem o frio congelante.
A tragédia ajudou a criar padrões de segurança para outras corridas extremas ao redor do mundo, instituindo a obrigatoriedade do planejamento para temperaturas extremas. Participantes também são obrigados a carregarem kits básicos de sobrevivência durante o percurso.