No dia 8 de maio de 1945, a Alemanha se rendeu finalmente aos Estados Unidos, com a assinatura de um tratado em Berlim. Não era exatamente o fim da Segunda Guerra Mundial, porque o conflito se mantinha ativo no Oceano Pacífico, mas boa parte dos europeus respirava aliviada com o acordo. Mas não era um alívio reconfortante, já que as páginas dos jornais traziam informações e imagens capazes de revirar o estômago de qualquer um. Pouco a pouco, o mundo se deparava com o Holocausto, com as provas de que o governo nazista de Adolf Hitler havia torturado e assassinado cerca de 6 milhões de judeus.
O fim da guerra na Europa significou a descortinação de um plano horrendo de genocídio contra judeus e outros grupos vistos como dignos de dizimação pelos nazistas - como ciganos, homossexuais e comunistas. O mundo compreendia que o nazismo ia muito além do preconceito ou da segregação: o plano governamental era de extermínio de um povo.
Os campos de concentração e extermínio foram libertados um a um, conforme os exércitos aliados avançavam sobre Berlim nos últimos dias da guerra. O primeiro foi Majdanek, no leste da Polônia, libertado em 24 de julho de 1944 pelo Exército Vermelho soviético.
Em junho de 1944, à medida que ficava claro que a Alemanha estava perdendo a guerra, o líder nazista Heinrich Himmler ordenou que alguns campos fossem evacuados antes de serem alcançados pelas tropas aliadas e que seus prisioneiros fossem transferidos para outros locais.
A situação afetava principalmente os campos nos países bálticos, mais expostos ao avanço das tropas soviéticas. Os oficiais da Schutzstaffel (SS), organização paramilitar nazista, receberam ordens de encobrir todos os vestígios dos crimes antes de fugir.
O enorme complexo de Auschwitz-Birkenau no sul da Polônia, libertado pelo Exército Vermelho em 27 de janeiro de 1945, foi gradualmente desmantelado a partir de meados de 1944 e mais de 60.000 prisioneiros foram evacuados. Quando os soviéticos chegaram, apenas 7.000 prisioneiros permaneciam, incapazes de andar e seguir seus companheiros nas chamadas "Marchas da Morte" para outros campos.
O horror dos campos de concentração ganharam o mundo especialmente quando os norte-americanos chegaram ao campo de Buchenwald, próximo à bucólica cidade alemã de Weimar, no dia 6 de abril de 1945.
Quando as forças americanas — acompanhadas pelo correspondente de guerra dos EUA Meyer Levin e pelo fotógrafo da AFP Eric Schwab — entraram em Ohrdruf (um anexo a Buchenwald), encontraram um inferno ainda em chamas e prisioneiros esqueléticos executados com um tiro na cabeça. No dia seguinte, moradores de Weimar foram levados ao campo de concentração para assistirem ao horror do local - senhoras desmaiaram na ocasião, dizendo não terem ideia de que pessoas eram torturadas ou assassinadas no local.
Por Buchenwald passaram 250 mil pessoas entre 1937 e 1945, mas não se sabe quantas pessoas morreram no local.
A “solução final”
De acordo com historiador britânico Martin Kitchen, no livro “História da Alemanha Moderna” (editora Cultrix, 2013), no dia 20 de janeiro de 1942 aconteceu a conferência de Wannsee, onde foram debatidos por líderes nazistas e funcionários do governo os pormenores das ações da “solução final da questão judaica”. Definiriam que 11 milhões de judeus seriam transportados para trabalhos forçados ao leste e, mesmo os que sobrevivessem, seriam mortos, para evitar uma revitalização judaica.
Ficou decidido que alguns judeus com mais de 65 anos iriam para o “gueto dos idosos”, no campo de concentração de Theresienstadt, para servir de instituição modelo para negar acusações dos Aliados a respeito dos maus-tratos aos judeus. Determinava ainda que todo o plano de genocídio ficaria nas mãos da SS, a polícia do Estado nazista.
Na conferência, a intenção de assassinar cada judeu da Europa foi claramente expressada. “Segundo o depoimento de Adolf Eichmann no seu julgamento, houve uma discussão franca franca e aberta sobre os méritos relativos a diferentes métodos de genocídio. A questão que decidiria se parceiros judeus de ‘casamentos mistos’ ou os judeus ‘mestiços’ deveriam ser deportados foi adiada. O encontro foi breve e não foram levantadas objeções a esse horrendo empreendimento”, escreveu Martin Kitchen.
O uso do gás mortal Zyklon B para os assassinatos em massa teve início em 1942. Heinrich Himmler, alto comandante do Partido Nazista, presenciou o uso do gás em julho daquele ano em Auschwitz, na Polônia, e expressou a sua completa satisfação com o sistema. “Ele ordenou uma grande expansão em Birkenau, o que possibilitaria que 10 mil vítimas pudessem ser mortas diariamente. Os que não eram assassinados nas câmaras de gás eram espancados até a morte, mortos a tiros ou eram vítimas de terríveis experiências médicas, que envolviam doenças não tratadas, inanição ou subnutrição. Somente os mais fortes e mais engenhosos sobreviviam”, afirmou Kitchen.
Segundo o autor, mais de 5 milhões de judeus foram mortos no Holocausto, mas não somente eles. “Até 3 milhões de poloneses não judeus foram massacrados, e o mesmo aconteceu com um número pelo menos igual de civis soviéticos também morreram, a maioria de inanição. Além disso, cerca de meio milhão de ciganos foram assassinados”, escreveu Kitchen. “Até 15 milhões de pessoas morreram em decorrência da ‘Nova Ordem Racial’ dos nacionalistas-socialistas. Se eles tivessem vencido a guerra, esse número seria infinitamente mais elevado”.
Relatos de um sobrevivente
Henry Katina, um sobrevivente húngaro do Holocausto que escolheu Belo Horizonte para viver, e faleceu em 2024, aos 93 anos, relatou o fim da guerra no livro “Passagem para a Liberdade” (Geração Editorial, 2009).
O fim do sofrimento dele aconteceu no dia 15 de abril de 1945, quando os soldados britânicos libertaram os presos do campo de concentração de Bergen-Belsen, na Alemanha. Junto aos militares, estava Richard Dimbleby, jornalista da BBC, o primeiro repórter no mundo a testemunhar o genocídio de judeus nos campos de concentração e escrever uma reportagem sobre isso.
“Era um momento para celebrar com enorme alegria e júbilo. O fim da ameaça de morte a que fôramos condenados pelos alemães finalmente veio a acontecer. Naquela data eu tinha 14 anos e 18 dias, porém não senti na hora a alegria esperada, pois estava fraco e doente demais”, descreveu Henry Katina em “Passagem para a Liberdade”.
“Havia outras pessoas admirando os soldados, então resolvi criar coragem e me aproximar para tocar no carro, querendo certificar-me de que era real. Senti um alívio e alegria por dentro, pois tudo me parecia acolhedor. Os soldados ingleses não tinham o olhar de arrogância ou ódio como o dos alemães”, escreveu o sobrevivente, que só foi levado ao hospital 15 dias depois da libertação. Foi lá que morreu o irmão mais velho, com quem Henry compartilhou todo sofrimento e desafios vivenciados nos campos de concentração por onde passaram - inclusive Auschwitz, na Polônia.
Estima-se que 70 mil pessoas tenham morrido no campo de concentração de Bergen-Belsen.
(*Com AFP)