O governo argentino autorizou os civis a comprarem armas semiautomáticas e de assalto, segundo um decreto publicado nesta quarta-feira (18) no Diário Oficial. A medida, questionada por especialistas, revoga uma proibição que vigorava havia 30 anos. De acordo com o texto, os civis devem comprovar "usos esportivos" das armas de fogo.
A disposição revoga uma proibição que vigorava desde 1995, quando a compra e o uso desse tipo de armamento foram restringidos à esfera militar e foi criada a Agência Nacional de Materiais Controlados (ANMAC).
A decisão do governo do ultraliberal Javier Milei autoriza "usuários legítimos" a comprar e possuir "armas semiautomáticas, equipadas com carregadores removíveis semelhantes a fuzis, carabinas ou submetralhadoras de assalto derivadas de armas de uso militar com calibre superior a 22", segundo o decreto publicado no Diário Oficial.
"Há celeridade e temeridade do governo neste tema que minimiza as consequências destas decisões e parece fazê-lo com uma postura entre fanática e dogmática em relação ao uso das armas de fogo", disse à AFP o advogado Julián Alfie, diretor do Instituto de Estudos Comparados em Ciências Penais e Sociais (Inecip) e membro da Rede Argentina para o Desarmamento.
O decreto foi assinado pelo presidente Milei, pelo chefe de Gabinete, Guillermo Francos, e pela ministra da Segurança, Patricia Bullrich.
Esta é a mais recente de uma série de medidas para facilitar a posse de armas na Argentina, onde, segundo dados oficiais citados pelo Centro de Estudos Legais e Sociais, "em 2022, um em cada dois homicídios dolosos [...] foi cometido com arma de fogo".
Desvios
Alfie alertou que as flexibilizações promovidas pelo governo aumentam o risco de que "estas armas sejam utilizadas com fins distintos aos quais a lei estabelece".
Segundo ele, a ANMAC está sobrecarregada em suas capacidades de controle e registro. "É uma agência desenganada, que tem menos de dez inspetores para controlar todo o território nacional", disse.
Embora a norma restrinja o uso das armas para o tiro esportivo, "diante da incapacidade de exercer controles efetivos, de fato estamos abrindo o risco de que estas armas sejam desviadas para o mercado ilegal ou grupos do crime organizado", continuou.
Além disso, Alfie mencionou que, com esta medida, a Argentina vai na contramão de países "como a Austrália ou a Nova Zelândia, onde a partir de massacres públicos ou em ambientes escolares foi restringida a venda de armas semiautomáticas porque facilitam esta classe de ataques, onde com muito pouco esforço se causa um dano de magnitudes gigantescas".
A Argentina manteve até dezembro de 2023, quando Milei assumiu, um programa nacional de entrega voluntária de armas de fogo, que, desde a sua criação em 2006, recebeu e inutilizou mais de 200.000 armas e dois milhões de munições.
Armas express
Em maio, foi simplificada por decreto a emissão de autorizações para a "posse express", um processo que visa "facilitar e agilizar a aquisição de armas de fogo", conforme anunciado pelo governo.
O processo passou a ser exclusivamente digital, por meio da plataforma da ANMAC, tanto para civis quanto para membros das Forças Armadas, de segurança ou policiais que compram armas em lojas comerciais.
No final de 2024, outro decreto de Milei reduziu a idade mínima para a posse legítima de armas de fogo de 21 para 18 anos.
"Aos 16 anos, eles têm o direito de votar. Aos 18 anos, podem ir para a guerra, constituir família ou se tornar membros de uma força de segurança. E, por incrível que pareça, em qualquer idade podem escolher uma mudança de sexo que os afetará por toda a vida. Então, por que não poderiam ser usuários ou portadores legítimos de uma arma aos 18 anos?", questionou a ministra Bullrich na época.
Bullrich é uma defensora do porte livre de armas, enquanto o presidente Milei, embora tenha expressado seu apoio à medida quando era deputado federal antes de se tornar presidente, afirmou posteriormente que uma reforma nesse sentido não fazia parte de sua plataforma.
Na Argentina, com 45 milhões de habitantes, quase um milhão de pessoas — a maioria homens — possuem licenças de usuário de armas de fogo, embora mais de 65% estejam vencidas, segundo uma investigação realizada em maio pela plataforma de verificação de dados Chequeado, com base em pedidos de acesso à informação.