Os Estados Unidos realizam, a partir desta terça-feira (8), as eleições de meio de mandato, as chamadas midterms. Neste pleito, os americanos escolhem representantes para diversos cargos. A Câmara dos Representantes, por exemplo, terá todas as suas 435 cadeiras à disposição dos candidatos, enquanto o Senado poderá ter uma renovação de até 35 dos 100 assentos. Xerifes, secretários e até procuradores também entram na apuração. Mas, o que esse processo representa para o governo de Joe Biden?
Para Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o pleito é uma oportunidade para projetar a eleição presidencial de 2024. Biden vive um momento de intensa desaprovação dos americanos, diante da inflação recorde no País.
“Pelo desgaste do governo, as midterms tendem a eleger mais opositores. Não tem nada de muito incomum nesse aspecto. Quando o Biden ganhou, ele tinha maioria nas duas Casas, o que é raro. Isso fez com que ele aprovasse uma série de políticas. Mas, agora, ele deve encontrar bem mais resistência com a tendência de domínio dos republicanos”, diz o especialista.
Mario Schettino Valente, professor no Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e no Núcleo de Relações Internacionais do Ibmec, concorda com o colega. “Os dados apontam para uma vitória republicana na Câmara dos Representantes. Também há uma chance (dos opositores de Biden) no Senado. Na Câmara, a coisa parece um pouco mais definida, mas no Senado as últimas projeções mostram uma pequena vantagem para os republicanos. Com um Congresso dominado pela oposição, o Biden terá uma dificuldade maior de implementar suas políticas públicas”, diz.
Apesar do cenário ruim para Biden, os dois professores especializados em relações internacionais não acreditam que o democrata corra risco de impeachment. “Não acho que crie esse risco. Ainda que a gente tenha um tensionamento da política norte-americana com o trumpismo, é necessária uma motivação mais concreta. Apenas uma inflação recorde e a baixa popularidade não são capazes (de sustentar o impeachment). É preciso algum escândalo de corrupção ou familiar para motivar esse processo. Pedidos podem acontecer, mas falta robustez”, afirma Mario Schettino Valente.
Riscos eleitorais e aborto
Para o professor Leonardo Paz, da FGV, há dois riscos principais para os democratas se o resultado das midterms realmente seguir a tendência de tender aos opositores. Ele lembra que pautas progressistas devem perder força, principalmente a legalização do aborto. Nos últimos anos, a jurisprudência da Suprema Corte prevaleceu sobre o tema, o que permitiu procedimentos do tipo em vários locais do País. Porém, o Judiciário derrubou essa interpretação em 24 de junho, o que abriu espaço para uma abordagem mais conservadora sobre a questão.
“Assim que sair o novo Congresso, o Biden vai criar uma lei para legislar sobre o aborto. Já os republicanos estão falando em banir totalmente o aborto. Talvez, vai ser o primeiro grande ponto, mas várias pautas progressistas serão rediscutidas”, afirma Leonardo Paz.
Mas, a maior preocupação do especialista acontece na validação do processo eleitoral democrático. Segundo ele, parte dos eleitores de Trump mais extremistas questionam os resultados das eleições de 2020, nas quais Biden saiu vencedor contra o republicano. Se o Congresso for mais aliado ao ex-presidente, a legislação eleitoral dos EUA pode sofrer retrocessos.
“Muitas desses candidatos são negacionistas eleitorais, que pensam que a eleição do Trump foi roubada. Se um grande número de pessoas (com esse pensamento) ganharem, há um temor de que a próxima eleição seja uma confusão completa, criando um panorama para o Trump voltar à presidência”, pontua Leonardo Paz.
Política externa
Na avaliação dos dois especialistas ouvidos por O TEMPO, as midterms não devem resultar em profundas mudanças na relação dos Estados Unidos com outros países. Os reflexos acontecem mais internamente do que além das fronteiras.
Ainda assim, uma maioria republicana pode erguer barreiras para o apoio de Biden à Ucrânia. Para o professor Leonardo Paz, vinculado à Fundação Getúlio Vargas, o partido opositor está dividido: há quem peça a continuidade dos repasses ao País invadido, enquanto outros querem diminuir essas transferências de recursos. Há, ainda, mais extremistas que apoiam aportes à Rússia na guerra.
Para o Brasil, as midterms pouco interferem. A avaliação é de que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é mais alinhado aos cuidados com o meio ambiente, o que facilitaria a relação brasileira com o presidente Joe Biden, independentemente do Congresso eleito.