Não houve quem acordasse tranquilo na alta cúpula do Partido Republicano nesta terça-feira (3), e o que era para ser uma vitória acabou se tornando uma dor de cabeça nos corredores do poder em Washington.

Tomou posse o novo Congresso dos Estados Unidos nesta terça, eleito nas eleições legislativas que ocorreram em novembro, as midterms. Assim, o Partido Republicano volta a ter maioria na Câmara dos Representantes após quatro anos, o que significará um aumento expressivo na oposição ao presidente democrata, Joe Biden, que até aqui tinha o controle das duas casas no Congresso.

Com o novo Legislativo, ocorreu também uma nova eleição para presidente da Câmara, um dos cargos mais poderosos do país, segundo na linha de sucessão presidencial, atrás apenas da vice-presidente, Kamala Harris. Mas, pela primeira vez em 100 anos, o partido no controle da Casa não conseguiu formar consenso em torno de um nome, e ninguém foi eleito na primeira votação.

O principal candidato republicano para o cargo é Kevin McCarthy, 57, deputado pela Califórnia, mas, com forte oposição da ala mais radical da legenda, ele não alcançou os 218 votos necessários na primeira rodada.

A falta de consenso na escolha do líder da Casa trava a pauta na Câmara, e os deputados precisarão votar quantas vezes for necessário até que o novo presidente seja escolhido. A última vez que um presidente não foi eleito logo na primeira votação foi em 1923, quando a eleição de um republicano demandou nove rodadas. Em 1849, foram 60 votações até chegar a um consenso e em 1856 a Câmara parou por dois meses porque nenhum candidato conseguia alcançar a maioria.

McCarthy é o atual líder da bancada republicana na Câmara, e, por isso, sua eleição era dada como certa meses atrás. Mas o impasse desta terça é resultado direto das midterms, nas quais esperava-se um desempenho muito superior dos republicanos do que de fato ocorreu. O Partido Republicano tem a partir de agora 222 cadeiras das 435 da Casa, apenas quatro a mais do que o mínimo necessário para obter maioria, de 218, tornando mínima a margem de dissidência.

Ele foi desafiado internamente por Andy Biggs, do Arizona, ex-chefe do Freedom Caucus (bancada da liberdade), ala da ultradireita do Partido Republicano. Pouco após o começo da votação, Biggs conseguiu o mínimo de cinco votos necessários para travar McCarthy, levando a eleição a uma nova rodada.

A indefinição até o último minuto mostra o estado de ânimos do Partido Republicano, dividido entre apoiadores radicais do ex-presidente Donald Trump e que defenda deixar o ex-mandatário para trás.

É um contraste visível também com o Partido Democrata. A eleição de um novo líder da legenda em novembro, Hakeem Jeffries, para suceder a poderosa Nancy Pelosi, não teve contestação. Nesta terça, como era esperado, os 212 democratas eleitos votaram por Jeffris presidente da Câmara –o que não se concretizaria, já que o partido tem maioria. Também não há nenhum nome suficientemente forte hoje entre os democratas para desafiar uma tentativa de reeleição de Joe Biden, que terá quase 82 anos no próximo pleito.
Já os republicanos não têm consenso sequer para eleger um líder ao cargo já garantido de presidente da Câmara.

McCarthy, porém, não pretende retirar seu nome da lista e até aqui não tem um adversário capaz de vencê-lo na Câmara. Nascido na Califórnia, ele foi eleito pela primeira vez para a Câmara em 2006 e rapidamente galgou espaço na política interna da legenda. No começo da carreira era tido como representante da ala jovem moderada, os "young guns" (armas jovens), e chegou a lançar um livro com esse título clamando por mais consenso bipartidário para avançar pautas importantes para o país.

No governo Trump, porém, foi se aproximando da agenda conservadora e se transformou em forte aliado do presidente. Dias após a eleição de 2020, ainda durante a apuração, chegou a dizer à Fox News que o republicano havia vencido, antes de o resultado oficial apontar o democrata Joe Biden como vencedor. "O presidente Trump venceu esta eleição, então todos que estão ouvindo, não fiquem quietos", disse.

A maré virou na sequência da invasão do Capitólio, quando uma multidão insuflada por Trump tentou impedir à força a confirmação da vitória de Biden. McCarthy se voltou contra o então presidente e, em conversas privadas que vazaram à imprensa, chegou a pedir sua renúncia. No púlpito da Câmara fez um discurso duro, em que afirmou que Trump era "responsável pelo ataque" e que o então presidente "deveria ter denunciado imediatamente a multidão quando viu o que estava acontecendo".

Esse é um dos principais motivos para a bancada radicalizada do partido temer que ele não seja fiel aos ideais trumpistas. Habilidoso politicamente, porém, o líder soube ler o cenário e se reaproximou do ex-presidente, inclusive jogando na fogueira seu antigo braço direito, Liz Cheney -que votou pelo impeachment do republicano e integrava a comissão do Congresso que investigou o 6 de Janeiro.

Para tentar contornar as dissidências, McCarthy passou a acenar à ala radical do partido e prometeu abrir uma série de investigações contra a gestão Biden, do pedido de impeachment do secretário de Segurança Interna pela crise da imigração na fronteira com o México à retirada das tropas americanas do Afeganistão, passando pelos negócios de um dos filhos do presidente, Hunter Biden. Ele também acenou às alas mais ideológicas ao prometer investigar o que considera limitação à liberdade de expressão por empresas de tecnologia e o que chama de doutrinação nas escolas.

Mas até aqui isso não foi necessário para vencer a resistência a ele, como mostrou a candidatura de Biggs e os votos do Freedom Caucus nesta terça. Outros nomes surgem nas bolsas de apostas caso McCarthy se mostre inviável. O mais claro até aqui é Steve Scalise, deputado pela Louisiana e hoje número 2 no Partido Republicano na Câmara.

(Thiago Amâncio / Folhapress)