EUROPA

Itália ainda é vítima da corrupção 25 anos após a 'Mãos Limpas'

Segundo um recente relatório, o fenômeno aumentou em relação à década de 1990 e, no total, 904 pessoas foram denunciadas por subornos ou extorsão no primeiro semestre de 2016 em comparação com as 841 do semestre anterior

Por AFP
Publicado em 16 de fevereiro de 2017 | 12:09
 
 
 
normal

Vinte e cinco anos depois da operação judicial "Mãos Limpas", que acabou com uma geração de políticos corruptos, a Itália continua lutando contra seus velhos demônios.

A "Mãos Limpas" (Mani Pulite), que serve de base para a brasileira "Lava Jato", começou em 17 de fevereiro de 1992, quando um procurador de Milão, Antonio Di Pietro, ordenou a prisão do empresário socialista Mario Chiesa.

Foi uma longa série de prisões de importantes líderes e empresários de todas as tendências e ideologias, em particular os da Democracia Cristã e do Partido Socialista, acusados de formar uma sofisticada rede de subornos e corrupção.

"Durante a 'Mãos Limpas', a opinião pública estava convencida de que se tratava de uma guerra entre policiais e ladrões. Hoje em dia, as pessoas têm a sensação de estar diante de uma guerra entre bandos de ladrões", resumiu, em uma entrevista à "AFP", o famoso juiz anticorrupção Antonio Di Pietro.

Sobre a "Mani Pulite" foram escritos artigos, ensaios e teses.

A operação também inspirou juízes e promotores de todo o mundo, depois de estremecer o sistema político e revelar um dos maiores escândalos da história recente da Itália, mais conhecido como "Tangentopoli", através do qual se descobriu o complexo sistema de pagamentos milionários de propinas por parte de empresários a políticos.

"Era um sistema de corrupção que garantia a uma determinada lista de empresas a participação nas licitações de obras públicas. Se você não estivesse nela, estava fora", explica Di Pietro, que chegou a marcar todas as cédulas envolvidas em uma falsa negociação.

Decapitada toda uma classe política, forçado ao exílio o primeiro-ministro socialista Bettino Craxi, a outrora Primeira República implodiu, abrindo caminho, em 1994, para a chegada ao poder do magnata das comunicações, Silvio Berlusconi.

Ainda mais escândalos

Apesar da enorme repercussão da "Mani Pulite" há 25 anos, a Itália continua sacudida pelos escândalos de corrupção, como o que atingiu recentemente empresários e funcionários públicos de Roma (Mafia Capitale), passando pelas propinas distribuídas para grandes obras, entre elas a construção da represa do projeto Moisés de Veneza ou as infraestruturas para a Exposição Universal em Milão, em 2015.

Segundo um recente relatório da Direção Nacional Antimáfia, o fenômeno aumentou em relação à década de 1990 e, no total, 904 pessoas foram denunciadas por subornos ou extorsão no primeiro semestre de 2016 em comparação com as 841 do semestre anterior.

"A situação não é fantástica, apesar de ter melhorado nos últimos anos", comenta Virginio Carnevali, presidente da Transparência Internacional, uma ONG que luta contra a corrupção.

"Houve uma mudança de tendência, mas ainda resta muito por fazer. A corrupção hoje é a arma preferida do crime organizado, que mata menos porque é mais fácil subornar que disparar", destacou.

O relatório de 2016 sobre corrupção da Transparência Internacional situa a Itália no 60º lugar, com 47 pontos, em uma lista de 176 países.

Uma posição melhor que a de 2015, mas entre os piores da Europa, diante apenas da Grécia e da Bulgária.

Transparência como arma

Para fazer frente a esse fenômeno, há quatro anos foi criada a Autoridade Nacional contra Corrupção (Anac).

Dirigida pelo juiz Raffaele Cantone, a entidade acredita mais nas virtudes de um sistema que garanta a transparência do que nos processos penais.

"Os países que ocupam os primeiros lugares na lista elaborada pela Transparência Internacional (Dinamarca e Nova Zelândia com 90 pontos) não são países que usam métodos repressivos draconianos, e sim que incentivam a colaboração dos indivíduos", explicou o magistrado à AFP.

A Itália, além disso, paga o preço de uma legislação reformada por Berlusconi, que, devido aos inúmeros processos contra ele, suavizou as leis contra orçamentos falsos e subornos e limitou os delitos financeiros.

A corrupção termina por pesar na economia na Itália, se aninha na administração pública, no sistema de licitações e conta com a cumplicidade de uma máquina estatal emperrada e ineficiente.

Segundo algumas organizações, custa cerca de 60 milhões de euros, cifra que, segundo Cantone, provavelmente é muito mais alta.

A corrupção como sistema de vida se alimenta, entre outras coisas, da desigualdade social, afirma a Transparência Internacional, que também trabalha por uma mudança de mentalidade e contra a decepção que acaba tomando conta das pessoas.

É uma luta contra o princípio generalizado de que "se todo mundo se der bem, eu também me dou", resume Di Pietro, que, de procurador, virou parlamentar e agora atua como advogado.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!