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Líder do Estado Islâmico morto tinha peso simbólico maior que Bin Laden

Baghdadi colocou em suas costas o pesadíssimo manto de califa, ou seja, sucessor legítimo de Maomé


Publicado em 27 de outubro de 2019 | 13:29
 
 
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Acuado em um túnel, esperneando e aterrorizado. O presidente americano, Donald Trump, descreveu assim neste domingo (27) a morte do líder do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi.

Os detalhes são macabros e, ademais, indignos do título de califa, que Baghdadi clamava para si. Com isso, Trump tenta desmistificar a figura desse chefe terrorista.

É fundamental para a estratégia de combate ao terrorismo garantir que, com a morte de Baghdadi, o Estado Islâmico perca por fim sua rosa dos ventos sangrenta. De fato, o golpe dado neste fim de semana pela administração de Trump é forte. Baghdadi tinha um peso simbólico que Osama Bin Laden, o temido líder da Al Qaeda, morto em 2011, jamais teve.

Ao contrário de Bin Laden, que se apresentava com uma imagem sóbria, Baghdadi colocou em suas costas o pesadíssimo manto de califa. Esse título tem um significado especial. Um califa, afinal, é um sucessor legítimo do profeta Maomé, que fundou o islã no século 7. Baghdadi, que estudou teologia, dizia descender do próprio profeta –algo que lhe dava uma autoridade que outros líderes terroristas não tinham.

Foi com isso em mente que Baghdadi subiu ao púlpito da Mesquita al-Nuri, em Mossul, para anunciar em 2014 o estabelecimento de um califado que se esparramava em partes da Síria e do Iraque. Baghdadi vestia roupas negras e ostentava um turbante, como a tradição diz que Maomé apareceu em seu último discurso. Subiu devagar, emulando a paciência do profeta. Limpou os dentes com um graveto de madeira, com isso seguindo também um suposto hábito de Maomé.

Baghdadi, vale lembrar, não era de fato um califa. Não era reconhecido como tal pela comunidade islâmica. Mas os militantes que acreditavam naquele título tinham, assim, uma razão adicional para seguir os seus ditames. O Estado Islâmico se alimentou justamente desse tipo de retórica apocalíptica, satisfazendo guerreiros que pensavam estar próximos do juízo final.

Nesse sentido, sim, a morte de Baghdadi sacode os alicerces do Estado Islâmico. Certamente encerra um capítulo na história da organização terrorista. Mas essa facção radical existia antes de Baghdadi e não há como ter certeza, por ora, se nós já chegamos ao fim da história.

Baghdadi não fundou o Estado Islâmico. A organização surgiu em 1999 nas mãos de Abu Musab al-Zarqawi. Ele tampouco foi seu grande ideólogo. Em termos religiosos, o grupo dependia de Turki al-Binali. Zarqawi morreu em 2006, e Binali, em 2017. A facção não desapareceu.

Com a humilhante morte de Baghdadi, o Estado Islâmico perdeu um de seus bens simbólicos mais importantes. Mas é este o poder dos símbolos: eles podem ser recriados, enquanto as condições materiais que sustentaram a facção por todos estes anos não forem alteradas.

O Estado Islâmico se alimentou do escanteio de tribos sunitas no Iraque após a invasão americana em 2003, por exemplo, assim como da pobreza e da falta de perspectivas da população iraquiana e síria.

Pesou, ainda, o atrito entre diferentes ramos étnicos e religiosos naqueles dois países, em parte fomentado por atores externos como Arábia Saudita e Irã.

O autoproclamado califa está morto. Resta garantir que ninguém vai vestir seu manto negro outra vez.

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