MASSACRES

Metade dos estados dos EUA ignoram antecedentes criminais para autorizar armas

Levantamento mostra que 25 dos 52 estados têm regras brandas quando o assunto é armamentista; Texas é exemplo normas sem restrições

Por Simon Nascimento
Publicado em 31 de maio de 2022 | 07:00
 
 
 
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O estado norte-americano do Texas, onde 21 pessoas foram assassinadas a tiros por um jovem em uma escola na semana passada, é um dos que não exige a verificação de antecedentes criminais para conceder o porte de arma de fogo aos cidadãos. Ao todo, 48% das unidades federativas - 25 entre 52 - têm regras mais brandas para que a população consiga adquirir de revólveres a rifes.

Além do Texas, exemplos de localidades que seguem a mesma política são Arizona, Alasca, Geórgia, Ohio e Mississipi. Por lá, os estados têm independência para definir como lidar com a política do armamento, amparados por norma federal que garante o acesso às armas.

O resultado disso é a ocorrência de mais de 212 massacres armados nos primeiros 145 dias de 2022, conforme o The Gun Violence Archive. Levantamento feito pela reportagem de OTempo com base em dados do Giffords Law Center - movimento contrário ao armamentismo nos EUA -, mostra que em apenas nove estados há leis que permitem negar o porte, mesmo que o cidadão se encaixe nos requisitos da chamada Segunda Emenda à Constituição.

A norma federal foi editada em 1791, no período de construção da independência norte-americana, e garantiu o acesso às armas sob a justificativa da defesa pessoal. Já a Lei Federal de Controle de Armas, de 1968, só proíbe a venda e a posse para pessoas condenadas ou acusadas por crimes federais e estaduais com mais de um ano de prisão, foragidos da justiça, usuários ilegais ou viciados em substâncias controladas e menores - diferentemente do Brasil, a maior idade nos EUA é aos 21 anos, apesar da direção automotiva ser autorizada aos 16.  

Outros obstáculos impostos pela legislação norte-americana dizem respeito a cidadãos hospitalizados involuntariamente ou internados para tratamento de quadros de saúde mental; que vivem ilegalmente nos Estados Unidos; que tenham sido dispensados de maneira desonrosa das Forças Armadas, condenados por violência doméstica ou que renunciaram à cidadania americana. 

Contexto

A maior facilidade para acesso às armas se comprova em um estudo que identificou que para cada grupo de 100 habitantes, há 120,5 armas nos Estados Unidos. A informação consta em relatório da Small Arms Survey, projeto de pesquisa independente do Instituto de Pós-Graduação em Estudos Internacionais e Desenvolvimento em Genebra, na Suíça.

Para o professor de Relações Internacionais do Ibmec Mario Schettino o debate em torno do assunto é complicado por abarcar diferentes legislações de cada estado. Ele reforça que alguns estados são mais lenientes, garantindo acesso inclusive às armas de alto poder ofensivo, enquanto outros apresentam alguma restrição em relação ao poder bélico de cada revólver. 

No massacre do Texas, por exemplo, o autor do massacre utilizou uma AR-15, espécie de fuzil semiautomático que apresenta diversas versões. “Os estados precisam se adequar à constituição, mas a constituição norte-americana é ainda do século 18. Lá o armamento é uma questão mais política, em que grande parte da sociedade se organiza e faz lobby para defender o direito a se armar”, relatou. 

Schettino cita que no caso dos estados que apresentam legislações mais brandas em relação ao armamento, como o Texas, há culturas históricas ligadas à militarização e hábitos de caça. O docente afirma que para endurecer as regras no país é preciso uma nova Emenda à Constituição. Mas o caminho pela aprovação não será fácil, pois a discussão pode esbarrar em campos jurídicos e políticos. 

Em 2018, o então presidente republicano Donald Trump chegou a rejeitar um pedido da Suprema Corte do país, que pedia a revogação da Segunda Emenda Constitucional. À época, ele afirmou que a norma nunca seria suprimida. Já o atual presidente, Joe Biden, após o massacre no Texas, questionou: “Quando, pelo amor de Deus, iremos enfrentar o lobby das armas?”.

Historicamente, os democratas, partido de Biden e do ex-presidente Barack Obama, são favoráveis às restrições de armamento, enquanto republicanos como Trump mantém a posição favorável às liberações. “O momento polarizado na política norte-americana dificulta qualquer debate interno de forma mais intensa. Há uma grande desaprovação do governo Biden e dificilmente ele terá uma capacidade de mobilização de uma pauta já divisiva”, opina Schettino. 

Empecilho à mudança também é o pleito eleitoral de meio mandato, marcado para o segundo semestre, para renovar cadeiras da Câmara dos Deputados e Senado. “Em anos eleitorais não vamos ter uma construção de consenso bipartidário ou um conjunto mínimo de cooperação, porque o objetivo é não cooperar entre si para mostrar as diferenças e angariar o voto do eleitorado”, complementa o professor. 

 

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