O primeiro impacto de visualização cara a cara dos painéis “Guerra” e “Paz”, de Candido Portinari, que encerra nesses dias sua histórica passagem por Belo Horizonte, é meio de tirar o fôlego. Pelos detalhes da pintura em si e por sua grandiosidade que, ao se chegar muito próximo, exige tal exercício de flexão do pescoço para olhar para cima que aos desavisados pode mesmo trazer a sensação de travar o fôlego.
Daí a sugestão é dar alguns passos para trás, respirar devagar e recuperar o prumo para que seus olhos percorram sem pressa os painéis que têm, cada um, 14 por 10 metros. Tal imponência e representatividade no cenário da arte brasileira casa muito bem à relevância em termos de volta o Cine Theatro Brasil, um espaço tão caro à memória belo-horizontina, agora como centro cultural.
Pelo caminho que tomei após subir a rampa do Grande Teatro para chegar aos painéis, me deparei diante de dois pés que ficam no canto final da tela “Guerra”. Na escala humana diante do mural, olhar apenas para a frente é visualizar essa parte de baixo dos painéis. São duas plantas de pés inteiras de uma mulher de costas, ajoelhada e com os braços levantados para cima. Nas plantas dos pés, os mínimos detalhes de rachaduras advindas de uma vida rude, signo em miniatura da arte de Portinari que tanto se voltou àqueles brasileiros que, descalços, pisam a terra e caminham para a sobrevivência na rotina árdua.
Esse lado sofrido diante da realidade está presente em todo o painel “Guerra”, em que predomina o tom azul escuro, mas ele todo está construído numa visão muito particular do artista em que não aparecem tanques de guerra, armas ou o vermelho do sangue. As expressões são de pavor, condenação aos conflitos e súplica.
Ao lado, o painel “Paz” traz cores vivas, imagens lúdicas de uma festa permanente unida a cenas cotidianas da vida popular brasileira. Pintando um conjunto de epifania coletiva, Portinari traduziu plasticamente em 1956 o que ele havia escrito em 1949, alertando que a militância pela paz exige “determinação e coragem. Devemos organizar a luta pela paz, ampliar cada vez mais a nossa frente anti-guerreira, trazendo para ela todos os homens de boa vontade, sem distinção de crenças ou de raças, (...) não somente com palavras mas com ações.”
Como se sabe, ao aceitar em 1952 o convite para criar os painéis que o governo brasileiro daria de presente para a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, Candido Portinari (1903-1962 ), o paulista de Brodowski que consolidou sua carreira no Rio de Janeiro, já havia sido alertado pelos médicos de que deveria parar de pintar em razão de um processo de envenenamento pelas tintas. Mas ainda assim dedicou-se ao trabalho por quatro anos em galpões da TV Tupi, no Rio de Janeiro. E não pôde participar da inauguração, em Nova York, por não aceitar a exigência do governo norte-americano: declarar o pintor que não mais pertencia ao Partido Comunista.
Esta é a última semana para ver em Belo Horizonte e no Brasil, os painéis que retornam à sede da ONU no ano que vem, depois de uma última escala para exposição em Paris. Nos demais andares do Cine Theatro Brasil estão também expostos, estudos preparatórios de Portinari para “Guerra” e “Paz”, outras obras, objetos pessoais do pintor, documentos, correspondências, fotografias recortes de jornais da época, além de filmes e reinterpretações do trabalho do artista em instalação do escultor Sérgio Campos e ainda em bordados de artesãos de Pirapora.
Entre outras obras que podem ser vistas de Portinari, confira a graça especial de um pequeno desenho a pastel sobre cartão, “Menina com Trança”, de 1955, um rosto de menina disforme, cabelo espetado, esboço que ele viria a burilar depois, cara de um momento de leveza, descontração e liberdade de um artista imbuído da vida brasileira.
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