O trânsito quase parado na Via Expressa.
Isadora estava sentada dentro do ônibus, mas seus olhos e pensamentos habitavam outras distâncias, sua mente vagava entre as tarefas a fazer no trabalho e as dificuldades que não arredavam pé de sua vida.
O ônibus andou um pouco e com o movimento sua cabeça balançou para o lado e enxergou no muro a mensagem pintada à mão: “Trago de volta o seu amor. Ligue 9....”
A mensagem entrou pela cabeça de Isadora, passou e foi embora.
Mas logo à frente havia outra com os mesmos dizeres, a mesma cor de tinta vermelha, o mesmo telefone. E também adiante, depois que o ônibus andou mais um pouco. Ela olhou para a frente e viu que lá, onde ainda ia passar, havia mais um anúncio: “Trago de volta o seu amor. Ligue 9...”
Com tanta insistência foi inevitável pensar em João. O cachorro que a abandonou sem dizer adeus. A trocou por outra, ela soube depois por amigos dele que contaram para amigas dela.
Não, definitivamente Isadora não o queria de volta. Ela que tanto se dedicou a ele, dava-lhe todos os cuidados. E amor. Conseguiu até que João diminuísse a cajibrina. Nos últimos tempos era raro ele chegar cambaleando em casa. Um ingrato.
Desde que ele fora embora, ela ficava se martirizando sobre o que teria feito de errado, enquanto chorava pelos cantos da casa, e no trabalho precisava disfarçar. Olhava no espelho para observar se havia engordado, se as marcas do tempo estavam mais nítidas em seu corpo, se estava cuidando bem dos cabelos. Ficava imaginando como ele conheceu essa outra, que Isadora nem quis saber quem era, como era. Até que o sofrimento foi passando para a raiva e o ódio. Um canalha. Mal agradecido.
O ônibus deu outro arranco para andar mais um pouco e ao balançar de novo Isadora olhou para a frente e viu no banco adiante, do outro lado, um homem que lembrava um pouco o João. E ela recordou do quanto ele, apesar de tudo, era tão carinhoso quando estavam juntos, o jeito diferente de abraçar, beijar, o cheiro bom quando não bebia, a atenção e carinho que dava para ela, a forma só dele como contava casos e os dois riam, o hábito de sempre elogiar a comida que ela faz. O cafuné.
O trânsito começou a melhorar. Isadora olhou para a frente e viu que adiante não tinha mais muros. Tirou a caneta da bolsa e ainda deu tempo de anotar o telefone do anúncio de cor vermelha.