Uma história de “arrepiar os cabelos” me foi contada recentemente por um amigo, que solicita anonimato temendo sofrer alguma represália, uma vez que os envolvidos neste “sequestro” são verdadeiros bandidos, mas que se fazem passar por comerciantes de peças usadas de automóveis.
Tudo começou quando Ricardo (nome fictício) estacionou sua perua Nissan Pathfinder – modelo antigo e importado, mas dele desde zero-quilômetro – em um local de grande movimento, no bairro Lourdes, próximo ao colégio Estadual Central. A parada seria rápida, apenas o tempo para uma vista de retorno ao médico. Faixa azul colocada, carro bem-estacionado, e lá foi para sua consulta nosso protagonista, nem sequer imaginando o transtorno que o aguardava na volta. Assim que retornou ao SUV, nada aparentemente anormal foi notado, mas bastou se acomodar no banco do motorista para verificar que algo estava errado. Engatada a marcha a ré na manobra para sair da vaga, uma “espiada” para conferir as distâncias dos carros estacionados na frente e atrás. Tudo até então normal, mas... cadê os espelhos dos retrovisores? Furtaram os dois.
Ricardo pensou que havia tido até sorte. Mesmo sendo bem rodada, a Nissan o atende há anos em seus deslocamentos para o sítio, nas compras maiores de supermercado e sempre “quebrando um galho” aqui e ali de algum amigo quando é necessário transportar algo de maior volume. O que ele não imaginava é que não seria tão simples a reposição do par original dos espelhos roubados. Consultadas, as concessionárias da marca disseram não ter para pronta entrega, e, se tivessem, o preço cobrado acabaria por inviabilizar a aquisição, tão caro era o pedido do item, importante, claro, mas que não poderia custar valor tão alto.
A solução pensada por Ricardo foi recorrer ao mercado paralelo. Boas lojas do ramo na praça poderiam garantir final feliz para a “novela”. Qual nada. A resposta negativa em quase a totalidade dos telefonemas em busca dos tais espelhos começava a incomodar. E se mandasse cortar em uma vidraçaria as peças do mesmo tamanho? Um paliativo, porque dessa forma não poderiam ser reproduzidas as características técnicas, antiofuscamento etc., que apenas o fabricante é capaz de fabricar. E a saga continuou até que, em um desses contatos, muito solícito um vendedor de balcão decretou a sentença que resolveria de uma vez por todas o imbróglio por que Ricardo passava. “Esse tipo de espelho é muito difícil, quase impossível o doutor conseguir comprar. Sei não, viu?”. E Ricardo: “Então, não tenho o que fazer meu amigo? Procuro uma saída. Você tem alguma sugestão?”. Deu a deixa, já a ponto de estressar com o assunto. “Olha, ligue para este número (um celular). Se este rapaz não tiver, em Belo Horizonte ninguém vai ter”, disse.
E, assim, como um refém, Ricardo acatou a “ordem”. Do outro lado da linha, o “fornecedor” prontamente confirmou que ainda tinha “em seu estoque” um par exatamente como o solicitado. E deu seu preço: “R$ 1.000 para o senhor que é gente fina”. Negociam daqui e dali e se chegou a um acordo: “Vamos fechar por R$ 400 o par, me dê seu endereço que vou até você para pegar os espelhos”. Resposta de bate-pronto. E o vendedor: “Imagina se vou dar esse trabalho ao doutor. Aqui o serviço é delivery, mando levar”.
Em menos de 30 minutos, no endereço passado pelo celular, um motoboy (que nem tira o capacete) entregou a Ricardo os mesmos espelhos que sempre estiveram lá e foram instalados na linha de produção, no Japão, quando a Pathfinder foi fabricada. Mais nada foi dito, mais nada foi perguntado. Denunciar o vendedor que passou o celular, nem pensar! “É melhor chamar o ladrão para acertar com ele do que correr riscos maiores com a segurança de minha família...”, argumenta Ricardo, com a impotência que cerca o cidadão brasileiro diante de fatos como o relatado nesta lamentável história da vida real.