A frase "nós contra eles" se tornou um verdadeiro mantra

A falta de bom senso pode levar o país ao desastre

De um lado, está o devido processo legal; do outro, a operação Lava Jato – a maior operação de combate à corrupção ocorrida em nosso país e no mundo. Bom senso, senhores, é a receita.


Publicado em 20 de junho de 2019 | 03:00
 
 
 
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Ao ligar o computador, lembrei-me da máquina de escrever, que dedilhei desde os 14 anos. Naquele tempo, sem essa habilidade, qualquer emprego se tornaria mais difícil. Se Clarice Lispector vivesse hoje, referir-se-ia não a ela, mas à diabólica geringonça que uso agora: “A minha intimidade? Ela é a máquina de escrever. Sinto um gosto bom na boca quando penso”. Clarice teria sido sincera ao dizer assim? As ideias, quando surgem, também podem provocar tristeza. Ao iniciar estas linhas, o gosto que me vem na boca não é bom. É amargo.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Ouvi esse ensinamento (de origem portuguesa, salvo engano) dos meus pais, ainda criança. Minha mãe o repetia com frequência. E meu pai, depois de citá-lo, nos brindava, aos filhos e aos próximos, com profícuas lições de vida.

Há décadas, acompanho esse irresistível espetáculo sem igual que é a vida. Não foi à toa que a mesma Clarice Lispector desabafou um dia: “É uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde”. Hoje, além disso, dói-me saber que não viverei no país com o qual tanto sonhei. E tentei sonhar todos os sonhos do mundo.

Em meio ao espetáculo da vida, fiz da política, e não sei por quê, capítulo à parte. Acompanhei-a praticada por gente de respeito e, num cochilo, já na idade provecta, candidatei-me a vereador de Belo Horizonte. Nunca imaginei que nosso país, demonizando o único instrumento capaz de desenvolvê-lo, chegasse ao ponto a que chegou.

Tive medo, em tempos petistas, da frase “nós contras eles”. O seu autor jamais imaginou que ela se tornaria um verdadeiro mantra. O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, absorveu-a totalmente. Este episódio patético da demissão pela televisão de um auxiliar da área econômica da maior importância para o desenvolvimento do país nos permite imaginar o que poderá acontecer mais à frente se alguém, no seu governo, discordar do que pensa ou, pior ainda, da sua ideologia.

A frase com a qual iniciei estas linhas me faz lembrar do bom senso e da falta que ele faz ao país hoje. Ou do senso comum. Há filósofos que distinguem um do outro. Fico com o primeiro, que sugere alguma ligação com a ética. Bolsonaro dizer que quer armar o povo para impedir golpes ou que o apoio do povo é mais importante do que o do nosso Parlamento demonstra total ausência de bom senso.

Falta bom senso, enfim, às análises sobre o imbróglio envolvendo o ex-juiz e atual ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro. O radicalismo com que tem sido encarado, impulsionado pelo radicalismo no qual se transformou a política, afasta-o cada vez mais da verdade, transformando-a na maior das vítimas. O que aconteceu não é fácil de destrinchar. De um lado, está o devido processo legal; do outro, a operação Lava Jato – a maior operação de combate à corrupção ocorrida em nosso país e no mundo.

Bom senso, senhores, é a receita.

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