ACÍLIO LARA RESENDE

Filho de presidente não é cargo nem função, mas pode atrapalhar

A obrigação da imprensa é apurar o que houve, e sem torcida


Publicado em 20 de dezembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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Não se justifica a reação do futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, na semana passada, na entrevista em que, antes de se retirar abruptamente, pediu à imprensa “uma trégua em nome do Brasil”. Onyx está no quarto mandato de deputado federal. Após o pedido de trégua, afirmou: “Algumas áreas da imprensa brasileira abriram francamente um terceiro turno. Temos nossas limitações, nossas dificuldades. Vamos fazer um grande pacto. Não ganhamos carta branca. Sabemos que temos oposição. Temos tido todo respeito do ponto de vista do futuro do nosso país. A partir de 1º de janeiro, quando o governo assumir e tiver diretriz, aí, sim, se estiver errado, critica”.

O ministro saiu-se com esse desabafo porque os repórteres presentes à entrevista, cujo dever profissional ele já deveria conhecer de cor e salteado, lhe perguntaram sobre a movimentação atípica, detectada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, no valor de R$ 1,2 milhão, feita por Fabrício Queiroz. Fabrício é policial militar e amigo do presidente eleito. Foi lotado, até 15.10.2018, no gabinete do deputado Flávio Bolsonaro, que recebeu, em São Paulo, votação consagradora para o Senado.

A obrigação da imprensa é apurar o que houve, e sem nenhuma torcida a favor do sucesso ou do insucesso do futuro presidente da República. Isso nem sempre é compreendido pelo distinto público. Segundo informações do Coaf, leitor, as movimentações encontradas “são incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira” do ex-assessor. Esse documento foi anexado aos autos pelo Ministério Público Federal, que, há um mês, deu origem à investigação Furna da Onça, que levou à prisão dez deputados da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

O governo de Jair Bolsonaro, legitimamente eleito, ainda não começou, mas já está sendo forçado a dar explicações sobre fatos que despertam suspeitas. Além disso, volta e meia, o filho Eduardo, deputado federal eleito pelo Rio de Janeiro, defende medidas – como, por exemplo, a adoção da pena de morte e, o que é pior, por meio de plebiscito – que acabam levando o pai, logo depois, a desautorizá-lo.

A verdade é que filho de presidente não é cargo nem função. Dependendo de como se comporta junto ao poder, poderá causar estragos ao pai e, obviamente, ao país. Flávio e Eduardo já têm muito com que se preocupar, como senador e deputado federal eleitos.

Ao chegar às vésperas de mais um Natal, e depois de muita reflexão, cheguei à conclusão de que nunca o Brasil e o mundo viveram tempos tão angustiantes. É natural que, como jornalista, eu me sinta impotente: “Escrevemos, escrevemos, escrevemos. Clamamos no deserto. O clube do poder tem as portas lacradas e calafetadas”, dizia, há alguns anos, o escritor Otto Lara Resende. Essa mesma decepção está nesta frase da escritora Clarice Lispector: “Escrevo sem esperança de que o que escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada”…

Mas a esperança faz parte da minha natureza. Nunca fraquejo quando se trata do ser humano. Deixo aqui, então, às vésperas de mais um Natal, este chamamento à esperança de Madre Teresa de Calcutá: “Sei que meu trabalho é uma gota no oceano, mas, sem ele, o oceano seria menor”. Isso nos levará à feliz conquista da paz interior.

Para você, leitor, e sua família, um feliz Natal!

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