ANDREA ANDRADE

'Deus lhe pague'

É nossa responsabilidade aprender com os erros e evoluir


Publicado em 08 de fevereiro de 2019 | 03:00
 
 
 
normal

É nossa responsabilidade aprender com os erros e evoluir. Creio que é o caminho possível para que se chegue a um novo lugar no qual acontecimentos tão trágicos não tenham mais espaço ou condições para se repetir. Sim, de alguma forma ficamos com traumas do rompimento da barragem Vale, de Brumadinho, e com as perdas imensuráveis ocasionadas por mais essa tragédia. Com as redes sociais são mensagens diárias, a cada segundo, uma imagem chocante do desastre da Vale. Mais um acidente de trabalho ampliado com as mesmas características da ocorrência em Mariana no ano de 2015, desta vez o rompimento da barragem teve repercussões ainda maiores, num primeiro momento a divulgação de 413 trabalhadores desaparecidos, e jã são mais de 145 mortos, dentre as vítimas uma Médica do Trabalho.

A Convenção OIT 174 – prevenção de grandes acidentes industriais foi ratificada no Brasil por meio do Decreto nº 4.085, de 15 de janeiro de 2002. Os preceitos desta Convenção visam a prevenção de acidentes industriais maiores e a limitação das consequências desses acidentes. O que essa Médica do Trabalho poderia fazer? Já fazia e acabou sendo vítima da irresponsabilidade dos empresários e da ganância dos homens. Todos estão traumatizados. As redes sociais estão aí para isso, para se comunicar instantemente nos quatro cantos do mundo a qualquer hora. Iniciativas como estas precisam impactar muito mais a mancha da companhia nesta sua grave crise reputacional.

Redes sociais, canais oficiais e mídia televisiva foram alguns dos meios utilizados para a Vale esclarecer para todos sobre o rompimento da barragem, mas ainda é pouco. A crise é de reputação. Trata-se de perdas humanas, sociais e ambientais. Não é um recall automotivo, por exemplo, veiculado por meio de um comunicado de "awareness" no intervalo do Jornal Nacional. A Vale ainda se utiliza de informar que serão muitos trabalhadores demitidos, que a empresa vai fechar e, mais uma vez, o empresariado mostra que pode acabar com uma cidade se não houver luta, denúncias e responsabilidades jurídicas. As justificativas oficiais até o momento dão a impressão de serem releases corporativos, enaltecendo uma Vale "consciente" e até sofrida com o acontecido em Brumadinho.

O que era necessário era a prevenção primária, evitando tal acidente. Além de aprofundar a avaliação de riscos das atividades e sua gestão, podem ser incluídos na fase de planejamento das instalações. No entanto, para atuar nestas fases é necessário sensibilizar os empregadores e seus representantes a valorizarem a participação da Segurança do Trabalho e tomarem atitudes para as melhorias e correções sugeridas. Claramente já existem empresas que realizam estes projetos, mas a ocorrência deste acidente faz lembrar que ainda estamos distantes de concretizar com totalidade estas ações.

E para finalizar cada um também precisa pensar no seu cotidiano. há muitas gerações temos adotado hábitos que causam a destruição ambiental e natural. Mas não é verdade que o fazemos por mal. Pense, por exemplo, em quantas pessoas jogam lixo nas ruas sem o menor pudor, apenas por hábito, muitas vezes sem nem imaginar que estes dejetos poderão contaminar seus rios; pense também em quanto tempo levamos para implantar e aderir à coleta seletiva. No caso do desastre da Vale, não há um único vitorioso. Ao contrário, sacrifícios, dores, traumas, amenizados pela solidariedade de pessoas engajadas. Do outro lado, a irresponsabilidade, a ganância, o imediatismo e a falta de consciência de um grupo prejudicou a todos, inclusive a eles próprios – em última instância porque, agora, serão suas gerações futuras as responsáveis pelo árduo trabalho de tentar consertar os seus estragos.

Punição, Justiça. Alguma coisa precisa ser feita com contundência. Afinal, entre mortos e feridos, entre salvos e aflitos a dor continua profunda, martelando os cidadãos de Brumadinho que não sabem nada e nem esperam algo melhor para o dia de amanhã. Tudo o que queriam era poder cantar , ainda que de forma engasgada a canção de Chico Buarque de Holanda “Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir. A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir. Por me deixar respirar, por me deixar existir. Deus lhe pague”.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!