A cada temporada de chuvas em Minas Gerais, os números chocam e as histórias se repetem. Desde o final de setembro até metade do mês de janeiro, o Estado registrou inúmeras cidades em situação de emergência, 26 mortes, 354 desabrigados e 3.270 desalojados.
Mas quem são as pessoas que sofrem de forma mais brutal com essas tragédias? A resposta é dolorosa e evidente: são as populações negras, periféricas, quilombolas, indígenas e rurais – historicamente marginalizadas e desproporcionalmente expostas aos impactos ambientais.
Essas comunidades enfrentam não apenas os efeitos das chuvas, da seca, do frio intenso, das ondas de calor e das mudanças climáticas, mas também décadas de negligência estrutural. É o que chamamos de racismo ambiental, um conceito cunhado por Benjamin Chavis na década de 1980 para descrever como populações étnicas marginalizadas são desproporcionalmente expostas a desastres ambientais.
No Brasil, o racismo ambiental é palpável nas enchentes de Minas Gerais, nos desastres da mineração e até no avanço das monoculturas que contaminam o solo e ameaçam comunidades quilombolas.
Estudos mostram que as populações negras e de baixa renda estão majoritariamente nas áreas de risco hidrológico e geológico, ou seja, de inundação e deslizamento. Esse padrão não é coincidência, mas resultado de um modelo de urbanização que, ao impermeabilizar as cidades e empurrar as pessoas pobres para os espaços residuais de risco, exclui e marginaliza. Enquanto bairros nobres recebem infraestrutura adequada para evitar tragédias, as favelas e periferias são deixadas à mercê das intempéries, expostas a deslizamentos e soterramentos.
Essa desigualdade não é apenas urbana. Nas áreas rurais, quilombos e territórios indígenas enfrentam desafios como a falta de regularização fundiária, a pulverização aérea de agrotóxicos, a irrigação intensiva nas áreas de agronegócio e os impactos da mineração que contaminam o solo e deixam as comunidades com o acesso precário à água potável. Muitas comunidades dependem de poços artesianos insuficientes ou consomem água sem tratamento, o que agrava os problemas de saúde e aumenta sua vulnerabilidade.
O temor das chuvas, intensificado pela crise climática, é uma realidade crescente. Eventos extremos, como tempestades e deslizamentos, tornaram-se mais frequentes, expondo ainda mais as fragilidades estruturais do país. Contudo, a crise climática não impacta a todos da mesma forma. A ausência de políticas habitacionais, saneamento básico e ações preventivas aprofunda a vulnerabilidade social e a ameaça a vida desses povos
Como Presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, acompanho com preocupação os relatos sobre os impactos das chuvas no Estado.
Nossa mandata oficiou 57 municípios em situação de emergência e estado de calamidade para pedir informações referentes ao atendimento aos atingidos, desalojados e desabrigados. Minas teve 70 mil desabrigados nos últimos dois anos, pelas chuvas. e sabemos que o nosso povo preto, das periferias e favelas, é quem mais sofre.
Precisamos de uma atuação preventiva e emergencial ao longo do ano, com grupos de trabalho focado em segurança alimentar, assistência social e saúde. Não podemos nos esquecer da urgência da penalização por crimes ambientais. Os desastres das chuvas não são naturais. São nascidos e criados pelo modelo capitalista tecnológico, poluidor e excludente. Chega de racismo ambiental!