Andreia de Jesus

Da solidão da mulher negra à mãe solo

Sistema que a mantém eternamente no lugar de cuidadora

Por Andreia de Jesus
Publicado em 07 de maio de 2022 | 03:00
 
 
 
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Na véspera do Dia das Mães, quero parabenizar todas e exaltar as mães solo!

Por experiência própria, sei das inúmeras dificuldades que as mães solo enfrentam e a total desesperança em muitas vezes se veem mergulhadas. Mas também não conheço coragem e força maior do que a desse grupo de mães que se assume (normalmente de forma compulsória) como única responsável por cuidar dos filhos – conciliando trabalho, casa, acompanhamento nos estudos, atenção com a saúde e apoio afetivo. Muitas vezes sem nenhuma rede de apoio.

Cansa só de ler! E me traz muitas memórias... Hoje meu filho já tem 24 anos, mas tinha apenas 9 quando me separei do pai dele e me vi sozinha diante do enorme desafio de criar uma criança.
Também vale ressaltar o quanto esse grupo de mães tem a vida monopolizada por esse papel. Sem oportunidade de se priorizar enquanto indivíduo e muito menos com direito ao descanso e ao lazer.

São mais de 11,5 milhões de mulheres vivendo essa realidade no Brasil; 63% estão abaixo da linha da pobreza; 61% são negras. Claro que as situações e causas desses números variam e, principalmente, giram em torno da irresponsabilidade desses pais ausentes e do quanto nossa sociedade ainda é tolerante com eles.

Mas acho impossível não associar essa realidade ao nosso passado colonial, em que as mulheres escravizadas eram estupradas por homens brancos e depois criavam sozinhas os filhos dessa violência. A miscigenação no Brasil é fruto desse processo.

E, infelizmente, ainda vemos essa lógica se reproduzir em homens que não assumem relacionamento com mulheres negras nem reconhecem seus filhos. A tal solidão da mulher preta, que, antes mesmo de a expressão ser cunhada, nós, mulheres negras, já sentimos na pele. Sempre ocupando o lugar de cuidadora, inclusive do filho de outros, mas sem nunca ser cuidada por alguém.

E, se a situação já era preocupante, o quadro geral se agravou na pandemia, em que mais de 320 mil bebês foram registrados sem o nome paterno no Brasil. Só em Minas, foram 23 mil crianças.

Somado a isso, as mulheres sofreram mais diretamente as consequências da pandemia na vida profissional, e um número enorme de mulheres deixou o mercado de trabalho (fosse pela impossibilidade de conciliá-lo com as demandas domésticas – com filhos sem escolas e creches –, fosse por estarem mais na informalidade e em atividades ligadas a serviços).

Então, além da sobrecarga, o medo de não conseguir colocar comida na mesa ou garantir um teto para os filhos está cada vez maior.

É por isso que esse grupo não só é meu foco de homenagem hoje, como também tem atenção especial na minha atuação como parlamentar – tanto em emendas quanto em projetos de lei. Recentemente, por exemplo, aprovamos na Assembleia o projeto Morada Segura – aguardando a sanção do governador –, que garante acesso facilitado de mulheres em situação de violência e chefes de família ao Fundo Estadual de Habitação (FEH).

Porque não basta homenagear as mães uma vez por ano, é preciso fazer do cotidiano dessas mulheres uma realidade melhor… em que possam ter sua individualidade garantida, viver a maternidade com um pouco de paz e, principalmente, sem esquecermos que elas também precisam de cuidados.

E, me desculpem, mas vou também aproveitar o espaço para homenagear a minha mãe, que pavimentou meus caminhos com seu exemplo e me inspira todos os dias a continuar avançando!

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