Andreia de Jesus

Fui atacada em plenário novamente

A luta contra a violência política sofrida pelas mulheres


Publicado em 30 de dezembro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Em uma terça-feira qualquer, uma mulher batalhadora e trabalhadora acordou e foi cuidar das tarefas domésticas, nada a que ela não esteja acostumada. Cuidou dos afazeres de sua casa, alimentou seus filhos, regou suas plantas e foi trabalhar. Quando chegou ao local no qual deveria se sentir segura para desempenhar seu trabalho, sofreu assédio e ataques dos seus colegas, homens brancos.

O relato acima poderia ser de qualquer uma das milhares de companheiras que sofrem com assédio moral no ambiente de trabalho todos os dias no Brasil. No entanto, trata-se de algo que aconteceu comigo, dentro do plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Apesar de usar um exemplo de assédio no trabalho, ele é muito pertinente para falar sobre violência política. 

Este é o nome que damos para todo tipo de ação, conduta ou omissão que seja realizada de forma direta ou por meio de terceiros. Essa agressão pode se materializar de diversas formas, seja por agressão física, moral, psicológica, sexual, racial, institucional, virtual, de gênero, LGBTQI+fóbica, entre outras, podendo ser cometidas contra candidatas nomeadas, em atividade da função pública ou em exercício de suas funções quando são eleitas. Assim como eu. 

Desde quando tomei posse como deputada, sofro ataques que vêm de diversas direções, e um deles aconteceu na última terça-feira. Além do que já é rotineiro, quando parlamentares da oposição proferem palavras desconexas, fora de contexto, para colocar falsas palavras na minha boca, desta vez, meus “colegas” me difamaram. 

Isso não acontece só comigo. Atualmente, apenas 15,2% dos assentos na Câmara e 12,4% do Senado são ocupados por mulheres. Esse número é pior ainda quando se trata das pretas. O Brasil é um país onde 27% da população é composta por mulheres negras, mas só 2% estão no Congresso.

O Instituto Marielle Franco divulgou recentemente uma pesquisa que traz um dado interessante. Houve o aumento da participação de mulheres pretas na política, no entanto, ao mesmo tempo em que esse número cresce, sobe também o de ataques contra nossos corpos. Ofensas durante o exercício de função, por meio das redes sociais.

Isso é violência política. Tudo o que faz parte do meu cotidiano. Com esses dados, deduz-se que mulheres pretas ficariam um tanto quanto amedrontadas em tornar seus corpos políticos, certo? Errado. 

O aumento de mulheres pretas na política veio justamente após um dos maiores ataques contra nossa luta – o assassinato de Marielle Franco. Suas sementes foram plantadas e estão germinando frutos cada vez maiores. 

Estamos saindo desse lugar passivo e indo em busca de representatividade, fazendo uma política mais preta e coletiva. Mas, obviamente, nossa chegada a esse lugar que nos foi negado durante séculos iria incomodar. É por isso que somos tão atacadas. Depois de tanto tempo sem a necessidade de usar bons argumentos, quando um tanto de mulheres pretas chega a esse espaço, letradas, com conhecimento e argumentos suficientes, esses homens são obrigados a apresentar esses recursos, digamos, errados. 

Acontece que, para discutir de igual para igual, será necessário ter muito estudo e dedicação. Ainda mais agora, que violência política contra mulher se tornou crime. 
O governo sancionou a Lei 14.192/2021, que define violência política contra mulheres crime e pune aqueles que a cometem.
Agora, nos resta saber quais artifícios vão usar para intimidar as mulheres dentro da política. Isso porque, se tem algo que falta entre essas pessoas, são argumentos concretos e dados para nos atacar. A fórmula é sempre a mesma, fake news, distorção de discursos e mentiras. Vamos aguardar. 

O que eles não sabem é lidar com mulheres que sabem trabalhar por todas. Nós, mulheres, especialmente as pretas, fomos criadas para lidar com tudo isso. Desde muito pequenas. 

A violência nesse espaço, especialmente com esse recorte de gênero, classe e sexo, precisa ser politizada, já que é fruto de machismo e racismo, que são enraizados na sociedade e passados de geração para geração como se fossem algo normal. Mas não são. 

Seguimos nossa luta. Vamos continuar ocupando a política. A violência não vai impedir que nossos corpos ocupem a política, continuaremos enegrecendo o Parlamento enquanto alimentamos nossos filhos. 

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