ARNALDO JABOR

Amor ao fracasso

Redação O Tempo


Publicado em 14 de março de 2017 | 03:00
 
 
 
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Há um grande amor brasileiro pelo fracasso. Quando ele acontece, é um alivio. O fracasso é bom porque nos tira a ansiedade da luta. Se já perdemos, para que lutar?

Sempre que há uma crise ou uma catástrofe nacional, irrompe uma euforia de cabeça para baixo. É como se a opinião pública dissesse: “Eu não avisei? Não adianta tentar, que sempre dá tudo errado...”

Nada como um desastre ou escândalo para acalmar a plateia. Danem-se as questões importantes, dane-se a crise econômica, dane-se tudo. Bom é fofoca e denúncia. Nada acontece, dando a impressão de que muito está acontecendo.

Temos a velha crença colonial de que nossa vida é um conto do vigário em que caímos. Somos sempre vítimas de alguém. Nunca somos nós mesmos. Ninguém se sente vigarista.

O fracasso nos enobrece. O culto português das impossibilidades é famoso. Numa sociedade patrimonialista como o Portugal do século XVI, onde só o Estado-rei valia, a sociedade era uma massa sem vida própria. Suas derrotas eram vistas com bons olhos, pois legitimavam a dependência em relação ao rei. Fomos educados para o fracasso.

Quem tem coragem de ir à TV e dizer: “O Brasil está melhorando!”, mesmo que esteja? Ninguém diz. É feio.

Falar mal do país é uma forma de se limpar. Sentimo-nos fora do poder, logo é normal sabotar.

O fracasso é uma vitória para muitos. “Não fui eu que fracassei; foi o governo, o neoliberalismo, sei lá...”

Nossos heróis todos fracassaram. Enforcados, esquartejados, revoltas abortadas, revoluções perdidas lhes dão uma aura de martírio e santidade. Peguem um herói norte-americano: Paul Revere, por exemplo. Cavalgou 24 horas e conseguiu salvar tropas americanas na Guerra da Independência. Foi o herói da eficiência. Aqui, só os fracassados verão a Deus.

“Seja marginal, seja herói”. O fracasso é legal, a vitória é careta. A vitória dá culpa; o fracasso é um alívio.

A crise, a catástrofe têm um sabor de “revolução”. É como se a explosão “revelasse” algo, uma tempestade de merda purificadora – depois de tudo arrasado, a pureza renasceria do zero.

Agora, com a denúncia da Odebrecht, a denúncia do fim do mundo, não há mais o que analisar, o que prever, o que vai acontecer... Temos de nos calar diante do inenarrável. Estamos sem palavras diante da mais louca crise institucional que já vimos. Os escândalos “parecem” acontecimentos.

A Lava Jato foi nosso grande “acontecimento”. Mas, agora, que a luta contra a corrupção já aconteceu, é preciso que as descobertas, as condenações levem a outro lugar além da moralidade pública, além da sensação de purificação da política. Espalhou-se a teoria de que o problema do Brasil é moral. Assim, muitos lutam pela moral, mas são contra a Lei de Responsabilidade Fiscal. A Lava Jato tem de ser o começo da mudança de uma estrutura burocrática feita para dar errado sempre.

Não nos esqueçamos de que o atraso é um desejo, não um acidente de percurso.

Assim como o “atraso” sempre foi uma escolha consciente no passado, o “abismo”, o brejo, para nós, são um desejo secreto. Há a esperança inconsciente de que do fundo do caos surja uma solução divina. Antigamente, achávamos que os fatos nos levariam a um futuro harmônico, que a vida era uma linha reta que ia desde os macacos até o paraíso cristão ou, recentemente, ao fim da história.

Não são as décadas que nos transformam; são os fatos. Eles cavam buracos no tempo e criam caminhos que não podemos prever. Há épocas lentas, há épocas sangrentas, épocas eufóricas e ingênuas, há épocas que parecem ataques epiléticos da história.

Nossos intelectuais se deliciam numa teoria barroca da “zona” geral. O Brasil é visto como um grande bode sem solução para a felicidade dos velhos militantes imaginários. Quem quer positividade é traidor. Recebe um rótulo de neoliberal ou reacionário na hora. Não ocorre aos velhos comunas que pessoas possam evoluir politicamente, buscando soluções pragmáticas, mais possíveis. Não; é um dogma. A miséria tem de ser mantida ‘in vitro, para justificar teorias e absolver incompetência. A academia cultiva o insolúvel como uma flor. “Qual a solução para o Brasil?,” perguntam. Mas a própria ideia de “solução” é um culto ao fracasso. Não lhes ocorre que a vida é um processo, vicioso ou virtuoso, e que só a morte de uma pessoa ou de um país é a solução.

Há um negativismo crônico no pensamento brasileiro. Paulo Prado contra Gilberto Freyre. Para eles, a esperança é ingênua; a desconfiança é sábia: “Aí tem dente de coelho, alguma ele fez...”

Jamais perdoaram o FHC por ter abandonado a utopia tradicional e aderido à “realpolitik” da social-democracia.

Foi queimado como traidor pela gangue de canalhas e ignorantes. Foi um dos maiores erros da chamada “esquerda”, talvez a maior perda de oportunidade da história. Foi aí que o PT iniciou sua rota para o nada.

Agora temos o ridículo fenômeno do “Fora, Temer”, o mantra dos imbecis, que não conseguem entender que nosso problema é econômico – se Temer pusesse o demônio no Congresso, valeria a pena. Se as reformas da Previdência, trabalhista e fiscal não forem feitas, bye, bye, Brazil...

Repito o assessor de Clinton, James Carville: “Trata-se da Economia, estúpidos!”

As velhas categorias para explicar o Brasil morreram. Já há uma pós-corrupção, uma pós-direita (disfarçada de “esquerda”). Mas a burrice é uma força da natureza.

Vejam como o Brasil se animou com a crise atual. Manifestações populares, panelas batendo, bandeiras brasileiras. Tudo bem, mas o que fazer estruturalmente? Além das reformas óbvias, ninguém sabe nada.

Aliás, acho que estávamos precisando mesmo de um beco sem saída. Ele está chegando.

Ninguém sabe o que vai acontecer. Se o governo Temer não conseguir reformar o Estado, será o primeiro grande trauma que os privilegiados sentirão. Os miseráveis já estão acostumados.

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