A pandemia da Covid-19 fez com que questões antes restritas ao âmbito científico (como as medidas a se adotar para diminuir contágios por vírus e a eficácia de vacinas) passassem também a fazer parte das conversações cotidianas. Aparentemente, isso é positivo, significa que as pessoas querem debater questões que vão além de suas realidades imediatas. Entretanto, em um país ideologicamente polarizado como o Brasil, onde a educação científica nunca foi colocada em prática e postagens em grupos de WhatsApp criam universos paralelos, temáticas estudadas pela ciência deixaram o campo das “evidências” e passaram ao âmbito da “opinião”.

Diferentemente de outras formas compreender o mundo – como a religião, por exemplo, amparada em verdades inquestionáveis (dogmas) –, o conhecimento científico está baseado em hipóteses que, ao serem testadas, podem ser refutadas ou confirmadas, constituindo, assim, uma teoria. Este novo conhecimento não é considerado pronto e acabado. A partir do momento em que surgir outra teoria que melhor explique a realidade, a anterior se torna obsoleta. 

Já em tempos de “especialistas de redes sociais”, este processo se torna bem mais simplório. 

Um sujeito considera que distanciamento social e uso de máscara e álcool em gel são práticas inócuas para evitar a propagação do novo coronavírus, não porque recorreu a bibliografia especializada ou realizou um estudo a partir de rigorosa metodologia. Ele discorda do distanciamento social simplesmente porque é sua “opinião”. Da mesma forma, ele acha que vacinas não são eficazes e defende o chamado “tratamento precoce” contra Covid-19; “é minha opinião”.

Evidentemente, não se pretende aqui querer censurar o direito alheio de se expressar livremente, mas opinião se dá sobre música, futebol ou cor de camisa. Ciência se move por evidências, não por convicções. Se não concorda com algo, é preciso propor uma teoria mais plausível, não ficar em achismos. 

Também é importante frisar que não concebo a ciência como uma atividade neutra e os cientistas como seres humanos superiores. Porém, como bem disse a médica Lígia Kerr: “a ciência não é infalível, mas é a estratégia mais importante hoje (para combater a pandemia da Covid-19)”. 

Enquanto em outras épocas para se manifestar sobre um assunto e ser ouvido por um público amplo eram precisos anos de estudos e reconhecimento por pares, hoje basta ter acesso à internet. A ignorância humana nunca foi tão disseminada. São os efeitos colaterais da liberdade de expressão virtual.