O papa Francisco alega que vivemos tempos favoráveis “aos inquietos de espírito, gente desejosa por mudar o nosso mundo”. Nesse contexto, vêm à tona a ousadia e a coragem, palavra derivada do latim (“coraticum – ação do coração”). O coração amálgama o sentir e a ação e nos liga ao centro cardíaco, à pulsação. De onde mais vêm os sonhos que você tem se permitido sonhar? Eles poderiam brotar?
Talvez eles nasçam do coração justamente para que o nosso tambor continue a bater bem forte. Enquanto tivermos pulso, teremos fôlego para sonhar. Já sonhei coisas antes do café da manhã.
E tenho me permitido sonhar buscando pensamentos positivos nestes tempos difíceis?
A permissão para sonhar acorda a intenção, a imaginação e o prazer de estar vivo. Miúdos ou grandiosos, nossos desejos nos religam a sentir a vida. Calma. Dessassogue. Sonho é sonho. Os sonhos não podem morar no plano das ideias. Eles precisam do nosso mais sincero agir.
O sonho pode ser feito de matéria delicada, não merece o triste destino de se converter em meta, checklist, foco no resultado, essa coisa mais afeta ao mundo dos balanços contábeis. Para sondar e fazer planos, é preciso estar concentrada com o sentir, senão o sonho vira mero planejamento. Sonhar e pulsar algo, é gestar, é preciso nutrir e colher.
Hoje em dia, diante de tantos estímulos e influências midiáticas, é difícil identificar qual é o nosso sonho e não aquele que nos fizeram acreditar. Uma música, uma imagem, anseios e impulsos adormecidos, uma memória, uma poesia, um sabor, uma massagem que nos ajudam a deitar a cabeça no travesseiro e relaxar. Os sonhos vêm recheados de acontecimentos.
Dormir bem é um resgate da saúde. Nossa capacidade de imaginar estando despertos é uma invasão do sonho na vida real. Foi através do sonho noturno que chegamos ao sonho desperto.
Nesses tempos que parecem não passar nunca, fui me acomodando dentro de uma nova rotina, me adaptando à forma de trabalho, aos afazeres domésticos, troquei a ioga pelo celular, a educação de meus netos, a distância da família e dos amigos, entremeada por momentos de angústia, ansiedade, medo, mas também com a possibilidade de fazer um “check” geral da minha jornada
Afinal, o que realmente importa quando percebemos o quão frágil a vida é, diante de um inimigo microscópio e invisível?
Aos poucos fui voltando a ter esperança de que essa pandemia passasse logo. Comecei a trocar pensamentos sombrios por pensamentos positivos. Desenvolvi a empatia e bom humor, comecei a cumprimentar as pessoas com um sorriso no rosto e me afastava de conversas chatas e inconvenientes. Finalmente, voltei a sonhar – flores, natureza, meus pais, meus filhos e noras, meus netos, vizinhos, amigos. Isso me dava mais coragem para lutar e me adaptar de forma mais feliz às regras e às restrições
Lentamente, fui colocando novas vestimentas comportamentais que, de repente, pareciam tão confortáveis como velhas roupas de dormir. Então, percebi que, na verdade, elas não eram novas. Sempre me pertenceram, mas tinham ficado guardadas nas gavetas da memória, enquanto o consumismo ocupava minha mente. As únicas visitas que faço são às casas dos meus filhos e das minhas irmãs. Aprendi o tanto que eles são importantes para mim.
Subitamente, me dei conta que podia cozinhar todos os dias e não somente nos finais de semana. Aprendi a fazer comidinhas simples, saudáveis e rápidas. Fiz disso um prato cotidiano cheio de afeto. E convidava parentes e amigos, colegas almoçarem lá em casa com máscara e pouca gente para evitar aglomerações. Para essas comemorações, tinha o Golden circle (círculo de ouro) um gesto simples de darmos as mãos sorrindo e fazendo nossa oração de agradecimento.
Dizem que não seremos os mesmos quando tudo isso realmente acabar e a segurança das relações voltar ao normal. Eu acredito nisso. Acho que podemos ser melhores, e muito dependerá da vontade de cada um de nós.
Não serão apenas os novos hábitos higiênicos e modelos de trabalho que mudarão. O retorno aos valores mais elementares como a simplicidade, a família, a solidariedade, a compaixão, o cuidado e o respeito ao próximo, é que fará a verdadeira mudança. Quem sabe um novo estágio de evolução... Para nós e em nós. Sonho com essa retomada de valores e luto todo dia para ver brotar uma nova mulher.