Opinião

A SCRI e as cadeias produtivas globais

Iniciativa de Austrália, Índia e Japão ante a China

Por Eugênio Diniz*
Publicado em 13 de outubro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Embora a pandemia da Covid-19 tenha atingido o mundo inteiro, os seus momentos iniciais puseram em tela a vulnerabilidade das situações em que atividades importantes de uma cadeia produtiva são realizadas em um único país, qualquer que ele seja. Mas a China é claramente um caso extremo, em função de sua centralidade para uma enorme quantidade daquelas cadeias.

Aumentar a resiliência das cadeias implicaria necessariamente diminuir sua eficiência. A imensa maioria das decisões que foram constituindo e fazendo funcionar essa configuração da economia política internacional eram tomadas nos âmbitos das empresas e dos consumidores. O grosso das decisões é de natureza privada, e a estrutura de incentivos para essas decisões conflita com o princípio de uma gestão estratégica e política do risco sistêmico.

Essa gestão exigiria que governos atuassem para alterar incentivos de agentes econômicos ou diretamente em um ou mais pontos da cadeia. Isso provavelmente envolveria uma retomada da produção doméstica de itens críticos, pelo menos em cadeias produtivas estratégicas: seria muito difícil sustentar politicamente incentivos para que alguém produzisse em outro país. Isso implicaria pelo menos dois efeitos negativos: diminuição de benefícios de ganhos de escala e alguma proteção à produção ineficiente, com impactos negativos na produtividade e na inovação e afetando negativamente o comércio internacional.

Uma parte da dificuldade de conseguir uma concertação política em tal direção é diminuída pela crescente disputa política e comercial entre EUA e China, que antecede a irrupção da pandemia, mas que se intensificou significativamente depois disso. Não por acaso, uma iniciativa nessa direção envolve três países próximos, politicamente, dos EUA: a Austrália, a Índia e o Japão estão negociando a Iniciativa de Resiliência da Cadeia de Suprimentos (SCRI). Seu propósito explícito é reduzir a dependência das respectivas economias em relação a insumos, produtos e serviços chineses – no caso do Japão, incluindo o anúncio de incentivos para reinternalização de atividades. Essa iniciativa não só é consistente com a postura mais confrontacional que vem sendo adotada pelos EUA: junto com este, os três países da SCRI vêm coordenando suas atividades de segurança marítima num fórum conhecido como “Quad” (“quadrado” ou “quadrângulo”). Tudo isso sugere que a SCRI visa também a tentar limitar, conter ou dificultar o aumento da estatura política e da margem de manobra militar da China.

Neste momento, é difícil estimar suas perspectivas, não só por causa das eleições nos EUA, mas também em função dos custos potenciais e da dificuldade intrínseca de obter coesão e consistência políticas que permitam atingir resultados relevantes. Mas devem-se observar com atenção os desdobramentos relativos à SCRI: pode ser um sinal de que a governança e as estruturas econômicas, estratégicas e políticas da globalização estejam em redefinição.

(Leia também "O grande realinhamento político e econômico")

*Membro do International Institute for Strategic Studies (Londres) e diretor executivo da Synopsis Inteligência Estratégia Diplomacia

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