Dr. Guilherme Lacerda é médico e diretor da Abramge-MG

Nos últimos meses, inúmeros congressos, simpósios e debates sobre a saúde brasileira têm como foco principal a sustentabilidade da saúde suplementar. E não é à toa. Não é de hoje que temos alertado sobre a gravidade da questão e a necessidade de ajustes de rota. A situação é grave, para não dizer caótica

Em 2022, as operadoras de saúde registraram os piores índices de sua série histórica, com prejuízo operacional perto de R$ 12 bilhões e sinistralidade (diferença entre a receita e despesas assistenciais), próxima a 90%. E a solução não é tão simples. Não basta aumentar suas mensalidades, porque as empresas e as pessoas não conseguem absorver os aumentos gradativos de despesas. E é bom que fique claro que essa crise não se deve a uma evasão de clientes, na verdade o número de beneficiários está estável com um discreto crescimento. 

Antes de tudo precisamos entender que operadoras de saúde trabalham em um sistema de mutualismo, com conceito de coletividade. Parece muito bacana, mas na prática a coisa é diferente. Cada um puxa a sardinha para o seu lado. Consultas, exames e procedimentos desnecessários, fraudes em reembolso, estímulo irresponsável ao uso de medicações caras e nem sempre mais eficientes.

No Brasil existe uma incorporação muito rápida de medicações para doenças raras ainda sem muitas evidências científicas, gerando judicialização, e o país paga um preço mais caro que os outros países. Aliado a tudo isso, ainda falta gestão profissional em muitas operadoras, falta de integralização de sistemas de gerenciamento e o principal: atuação no tratamento e não na prevenção.

Prevenção

Como o “turn over”, ou seja, a troca que um beneficiário faz de um plano de saúde para outro no Brasil não chega a 2 anos, para quê uma operadora vai investir em saúde preventiva, estimulando hábitos saudáveis, vacinação, se ela vai acabar economizando para outra depois?  

Mas se todas fizessem isso, o sistema como um todo sairia ganhando, principalmente o próprio beneficiário final. Se todas compartilhassem o histórico de seus usuários (obviamente que respeitando a Lei Geral de Proteção de dados), ou mesmo compartilhassem um prontuário único, poderiam evitar inúmeros gastos desnecessários.  

É muito comum uma pessoa fazer inúmeros exames em uma operadora de saúde e meses após repetir tudo de novo em outra operadora após trocar seu plano de saúde. Muitas vezes exames muito caros. Isso é desperdício. 

A Inteligência Artificial poderia ajudar muito nisso.

Pilares

Em suma, temos basicamente 4 pilares na atuação da Saúde Suplementar: As operadoras de saúde, os prestadores de serviços que incluem profissionais de saúde, hospitais, clínicas e laboratórios, a indústria farmacêutica e o governo através de seus órgãos reguladores. Como esperar sucesso num modelo no qual os quatro setores não se entendem? É preciso urgentemente revisar esse modelo. 

“Pau que dá em Chico dá em Francisco”; o mesmo rigor que a justiça atua em desfavor do SUS e das operadoras, deveria atuar com as fraudes contra o sistema. Ter um viés consumerista é perigoso, pois nem sempre promove justiça para todos. 

Voltando à questão principal: a atuação deveria basear-se na prevenção e não no tratamento. Pois o que acontece hoje é isso, contratamos um plano para cuidar da nossa doença e não da nossa saúde. 

Futuro

A nossa população está envelhecendo rápido, em 2050 seremos 68 milhões de brasileiros com mais de 60 anos, mais que o dobro do atual, que é de cerca de 33 milhões, e não está tão distante, estamos falando de pessoas que hoje possuem 33 anos. 

E o problema maior é que não estamos envelhecendo corretamente, apesar da expectativa de vida estar aumentando. A data de início de uma doença nem sempre será jogada lá pra frente; antigamente se tivéssemos um infarto, AVC, diabetes ou algum quadro demencial, teríamos maior probabilidade de morrer; atualmente teremos essa companhia, muitas vezes desagradável, por mais tempo. Saúde se cuida desde que nascemos.  

A cada dia teremos mais idosos fazendo tratamentos que são mais caros, custeados pelos mais jovens que não acompanham o mesmo crescimento. 

Nos últimos anos as taxas de fecundidade estão em queda, com média de 1,5 filho. Os únicos que continuam crescendo são os acima de 60 anos.  

Será que precisamos investir mais em centros materno-infantis ou em instituições voltadas ao cuidados dos mais velhos? Um bom exemplo é a operadora MedSênior, fundada em 2005, que trabalha exclusivamente com beneficiários acima de 49 anos e vem mostrando crescimento com qualidade. 

As políticas públicas precisam estar atentas a isso, com atuação dos agentes de saúde comunitários treinados para atendimentos aos nossos idosos. 

Segundo dados recentes, temos uma aberração no Brasil. A preferência dos médicos recém-formados é a seguinte: cerca de 10% optam pela pediatria e outros 10% escolhem a obstetrícia. Menos de 0,1% optam pela geriatria. Temos um déficit de 28.000 geriatras no Brasil. A Sociedade Brasileira de Geriatria tem, oficialmente, 1.800 médicos.  

As pessoas estão morrendo no Brasil hoje principalmente de doenças cardiovasculares. A hipertensão é o grande vilão e ela leva a doenças como insuficiência renal, infarto, acidente vascular cerebral. 

Um outro fator importantíssimo é que com a sinistralidade cada vez mais alta, não há como contratar profissionais mais capacitados, que aceitem atender por operadoras, e os que aceitam estão insatisfeitos, muitas vezes sem outra opção por muitos anos de dedicação exclusiva. Para ter uma renda que possibilite o profissional de saúde pagar aluguel do consultório, secretária, tributos e despesas administrativas; e com o ticket médio de uma consulta mais barata, não há outra solução a não ser gerar volume. E a qualidade obviamente cai. 

Entra-se assim, num ciclo vicioso e não virtuoso, onde todos os envolvidos ficam insatisfeitos e ganhando menos. É o famoso “muito para quem paga e pouco para quem recebe”.  

A solução depende de maturidade, visão de longo prazo, tecnologia e conscientização.  

Dr. Guilherme Lacerda é médico, diretor da Abramge-MG, diretor do Cogesmig (Colégio de Gestores do Estado de MG) e diretor do hospital São José de Contagem