Quando vejo em minha rua, que está localizada em um bairro a dez minutos, andando, do centro de BH, um esgoto a céu aberto por três semanas consecutivas, fico imaginando os sanitaristas dos séculos passados revirando-se no túmulo.
Será que tanto estudo, tanta ciência, pesquisas, ainda não foram suficientes para que tenhamos o básico? Saneamento básico, só isso, mais nada. Se minha rua, que é bem central, próxima de avenidas e um grande hospital, está nessa situação, imagino os becos e ruelas das comunidades de bairros periféricos. Se escancarado, quase no centro de nossa cidade, o esgoto corre solto, como devem viver as pessoas onde a invisibilidade é total?
Quando chego a um hospital e vejo pessoas deitadas no chão porque o Sistema Único de Saúde anda doente, me pergunto: pra onde estão indo as verbas que a saúde recebe? Ou não recebe por burocracias mil? Em hospitais e postos de saúde, é bem comum a falta de médicos e enfermeiros, assim como materialidade básica para atender a comunidade.
Falta verba ou falta competência na administração dos recursos públicos?
Quando fico sabendo de mães que não podem trabalhar porque não há vagas em creches para seus filhos, questiono as propagandas governamentais que dizem que nenhuma criança está fora da escola. Uai, e as que não conseguem entrar por falta de vaga ou mesmo pelo absurdo de que são direcionadas para escolas longe de suas residências e as famílias não têm como levar por falta de dinheiro para transporte, onde elas estão? Certamente ocupam um número falso nas estatísticas que dizem que todos estão na escola. Estatísticas que querem nos fazer acreditar no mundo ideal, como se fôssemos todos “Alices” num país das maravilhas.
Quando leio sobre o retorno de doenças dos séculos passados por falta de pais levarem seus filhos para se vacinarem, choro. Choro por tantas crianças que poderão ter doenças já extintas e suas vidas comprometidas por pura falta de informação. Choro pela volta de um caos que é totalmente desnecessário.
Quando fico afastada do trabalho por quase sete dias porque um mosquito me picou, me apavoro. Como assim? Em pleno século XXI, doenças do século passado ainda nos tiram do trabalho e tiram a vida de tantas pessoas. Será só uma questão de educação? De ensinar as crianças na escola a não deixar água parada? De fazer campanhas para que limpem seus lotes, cuidem dos espaços próximos? Será que não se pode fazer mais nada? É só isso mesmo? Como acreditar que morremos de dengue com tantos avanços tecnológicos e na ciência?
Quando vejo crianças sentadas em restaurantes com seus tablets ou celulares nas mãos enquanto seus pais se divertem, me entristeço. Onde estão os gritos, correria, machucados, brigas e disputas por brinquedos? Para onde está indo a infância de nossas crianças? Estão cada vez mais silenciadas por eletrônicos que as distraem para que não incomodem os adultos. Ora bolas, a infância de nossas crianças está sendo assassinada a sangue-frio por seus próprios pais. Quando assustarem, o tempo já passou e ninguém brincou. Triste isso, muito triste.
Pequenos grandes absurdos que chamo a refletirem. Situações que, na correria do dia a dia, passam até despercebidas, mas, se não gritarmos por socorro, estaremos sendo cúmplices de tragédias rotineiras, estaremos contribuindo para que a vida seja apenas uma continuidade de erros cometidos por nós, que dizemos ser cidadão de bem. Que espécie de cidadania exercemos se nos calamos diante dos absurdos?
Jacqueline Caixeta é educadora