Via de regra, as compras públicas devem ser realizadas mediante processos licitatórios que se efetivam através da prática de uma série de atos concatenados e ordenados em leis.
A obediência à lei confere validade, legalidade e gera a transparência necessária à contratação pública que somente se efetiva com o dinheiro do povo.
Todavia, o que se vê – com razoável frequência – são empresários e sociedades empresárias se valendo de toda sorte de ações fraudulentas, mediante o uso indevido da personalidade jurídica com o único viés de sagrarem-se vencedores dos certames públicos.
A efetivação do procedimento licitatório impede, por exemplo, que pessoas jurídicas devedoras de tributos venham a ser novamente contratadas pela administração pública, vez que, são exigidas para a celebração do contrato a apresentação de Certidões Negativas de Débito (CND) federal, estadual e municipal.
A realização de um certame regular também pode evitar que a administração pública celebre contratos com empresários ou sociedades empresárias que já foram sancionados administrativamente. Na mesma toada, vale lembrar, que alguns certames são reservados exclusivamente à participação de microempresas, empresas de pequeno porte e microempreendedores individuais (ME/EPP/MEI), como medida de incentivo aos pequenos empresários.
Muitas vezes a reiterada prática de atos irregulares, seja de ordem fiscal ou sanções administrativas, culmina em suspensão do direito de licitar e contratar com organismos governamentais, daí são constituídas outras (e novas) pessoas jurídicas de mesmíssimo segmento e, por vezes, com o mesmo (ou parecido) nome empresarial e até com os mesmos administradores da pessoa jurídica impedida.
Outro fato que motiva a inauguração de novos CNPJs, por assim dizer, é a possibilidade de fruição dos benefícios concedidos exclusivamente às ME/EPP/MEI.
Fala-se aqui da criação de manobras fraudulentas envolvendo estabelecimentos empresariais com o único objetivo de burlar a lei e fraudar os órgãos da administração pública.
Sob o falso manto de outra pessoa jurídica, o “novo” estabelecimento é contratado pela administração pública e, invariavelmente, põe em prática as mesmas irregularidades que acarretaram diversas punições à pessoa jurídica anterior.
Trata-se do comum golpe conhecido como “rodízio de CNPJ” para fraudar a administração e praticar concorrência desleal.
A criação de novas pessoas jurídicas, mediante ardil, faz oportuno invocar a Lei de Combate à Corrupção, que esteve muito em voga por causa da operação Lava Jato.
A Lei Federal de Combate à Corrupção (Lei 12.846/2013) classifica como fraude a criação de pessoa jurídica para se valer irregularmente de benefícios em processos licitatórios e firmar contratos com a administração, como se observa nos dizeres da mencionada lei (art. 5º, “e”): “constituem atos lesivos à administração pública criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo.”
Em casos tais, pode ser desconsiderada a personalidade jurídica da licitante declarada vencedora, para estender a impossibilidade de participar do certame à nova sociedade constituída (art. 14, da Lei 12.846/2013).
A citada desconsideração se justifica em razão do abuso do direito praticado pelas sociedades empresárias que, utilizando-se da criação de nova pessoa jurídica, conseguem participar dos certames, já que o “novo CNPJ” está, aparentemente, livre das restrições que lhes retiravam a possibilidade de participar do ato licitatório
Para evitar tal “manobra”, deve-se afastar do procedimento de contratação a nova pessoa jurídica criada exclusivamente para burlar a administração pública e os demais sujeitos que participam dos certames públicos.
Eis o remédio eficaz colocado à disposição da administração pública para evitar a contratação de pessoas jurídicas criadas fraudulentamente.
E, no caso de indícios de fraude ao processo licitatório, o Tribunal de Contas da União (Informativos de Licitações e Contratos nº 70) determinou que o Poder Público deflagre processo administrativo contra as empresas que promoveram o “esquema” fraudulento, sob pena de os servidores serem sancionados por omissão.
(*) Bruno Camargo Silva é advogado, jornalista, professor de direito e patrono da Associação das Agências e Corretores Especializados em Publicidade Legal do Estado de Minas Gerais