A guerra na Ucrânia completa dois anos neste 24 de fevereiro com uma derrota significativa para Kiev. Menos pela frágil importância estratégica da cidade de Avdiivka do que pela dependência de Volodymyr Zelensky por recursos financeiros e materiais do Ocidente que ela representa. Algo que promete ser o principal campo de batalha nesta fase do conflito.
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Desde março de 2022 – quando, às portas da capital, o Exército russo recuou –, a área ocupada do país tem se mantido em torno de 100 mil km quadrados (1/6 do território ucraniano). O impasse se transformou em uma guerra de desgaste que custou não menos do que 190 mil mortos ou feridos para a Ucrânia. As perdas materiais do país passam de US$ 137 bilhões, segundo cálculos da Kiyv School of Economics, e os gastos militares projetados para este ano somam US$ 40 bilhões. Mas a ajuda começa a rarear.
Um pacote de socorro de US$ 60 bilhões está empacado no Congresso dos Estados Unidos desde outubro. A União Europeia anunciou no início de fevereiro a liberação de US$ 54 bilhões, que levarão tempo para chegar.
Peso da eleição norte-americana
A falta de dinheiro se traduz em menos capacidade de combate. De acordo com relatório do ministro da Defesa, Rustem Umerov, acessado pela Bloomberg, os disparos de projéteis calibre 155 mm de artilharia estão limitados a 2.000 por dia, sendo que vários quilômetros da frente de combate não contam com um cartucho sequer. Do milhão de projéteis anunciado no início de 2023, pouco mais de 300 mil haviam sido entregues até novembro.
Os recursos necessários para uma vitória ucraniana dependem de uma boa vontade do Congresso dos Estados Unidos sequestrada pelo embate entre democratas e republicanos no ano de disputa presidencial. Um pleito no qual 32% dos eleitores dizem que a Casa Branca está gastando demais com a Ucrânia, segundo pesquisa Michigan-Ross/Financial Times.
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Além disso, o resultado das eleições promete reflexos da política do outro lado do Atlântico. Donald Trump, que está ligeiramente à frente nas pesquisas e nas projeções do colégio eleitoral, reafirmou a política de “quem não pagar que se defenda”, cobrando dos países da Otan que ampliem o orçamento militar para 2% do PIB. Essa pressão, somada às vitórias de partidos europeus nacionalistas e populistas (muitos simpáticos ao presidente russo, Vladimir Putin), amplia a incerteza sobre a disponibilidade de novos recursos para uma guerra sem fim aparente.
Convocações militares e sanções econômicas
Do lado russo, a conquista de Avdiivka é uma boa propaganda em meio ao cenário de preocupações. Do ponto de vista eleitoral, Putin deve assegurar sua hegemonia com uma vitória fácil nas eleições de março. As pesquisas dão vantagens de mais de 60 pontos percentuais sobre os rivais, e a maioria dos opositores está no exílio, presa ou morta, como seu principal expoente, Alexey Navalny.
Porém, a calmaria política corre sérios riscos após o fechamento das urnas. Uma nova convocação de 400 mil civis entre 18 e 30 anos, aprovada no fim de 2023, deve ocorrer ainda neste semestre. As Forças Armadas tiveram algo em torno de 315 mil mortos ou feridos, segundo relatório da inteligência norte-americana, e a primeira mobilização, em setembro de 2022, desencadeou uma série de violentas manifestações no país, além de ter enfraquecido a mão de obra disponível para a indústria doméstica.
Apesar de ter aprovado um orçamento de US$ 112 bilhões para despesas militares em 2024, secretamente Moscou sente os efeitos de dois anos de sanções econômicas. Estima-se que US$ 300 bilhões em reservas financeiras estejam congeladas no exterior. E as rentáveis exportações de petróleo e gás para a Europa foram apenas em parte redirecionadas para a China, garantindo maior poder para Pequim na relação bilateral e menos dólares no Tesouro.
Coreia do Norte e Rússia
Assim, a poderosa máquina militar russa também precisa racionar sua artilharia pesada, mas há ainda impressionantes 4.000 a 10 mil projéteis diários (no início da guerra, chegavam a 60 mil) que, em boa parte, são importados da Coreia do Norte.
Dificuldades que colocam a paz num horizonte distante tanto da Ucrânia quanto da Rússia.
(*) Frederico Duboc é editor de Opinião de O TEMPO e mestre em relações internacionais pela PUCMinas