Opinião

Caso Backer: dois meses sem solução

Rotina de angústia das famílias das vítimas

Por Flávia Schayer * e Camila Demartini **
Publicado em 15 de março de 2020 | 03:00
 
 
 
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As mulheres sempre foram guerreiras na luta por conquistas de direitos ao longo da história. Mas as angústias vividas por causa de problemas sociais ou injustiças cometidas por terceiros foram situações que não imaginávamos que aconteceriam conosco. Vimos nosso mundo desmoronar quando nossos maridos foram envenenados pela cerveja Backer. Dois meses se passaram desde a abertura do inquérito pela Polícia Civil (9.1.2020), com nossas vidas viradas pelo avesso.

Para dar conta do cotidiano, observamos surgir a verdadeira guerreira em cada uma. Mudamos nossa rotina para garantir dedicação exclusiva a eles, pois, até o momento, nenhuma assistência da Backer foi providenciada. Nem sequer um telefonema.

No caso de Cris, como muitos brasileiros, sempre foi um apreciador de cerveja. Compramos várias garrafas de Belorizontina, e ele foi, ao longo de dezembro, tomando uma por noite. No dia 21, já estávamos no clima de Natal, e ele tomou cerca de cinco. No dia seguinte, começou o pesadelo: ficamos 75 dias no hospital, sendo 44 no Centro de Terapia Intensiva (CTI), no limiar da morte. As idas ao hospital para hemodiálise, as consultas médicas, a fisioterapia e a fonoaudiologia se tornaram, e ainda serão, rotina em nosso cotidiano.

Já no caso de Luís Felippe, estávamos em um churrasco com toda a família em clima natalino. Meu pai, Paschoal Demartini Filho, 55, e ele tomaram a cerveja num ambiente de alegria total. Meu pai voltou para casa, em Ubá, e não resistiu. Além da grande dor pela perda dele, agora eu vivo o drama de ver o meu marido no CTI.

Se a Backer se preocupasse com seus clientes, teria prestado a assistência médica necessária, pois nós éramos parte de seu público, frequentávamos a casa e bebíamos a cerveja. Os danos causados são irreparáveis, e as sequelas ficarão para sempre. Não tem como precificar uma vida.

O custeio emergencial para as vítimas é fundamental. Tem vários pacientes que dependem do SUS e estão na fila, à espera de consultas em diversas especialidades médicas e com pedidos para realização de exames. Outros estão custeando o tratamento com apoio de familiares e amigos. Os maridos mantenedores da casa, hoje, estão acamados ou no CTI. Muitos convênios não cobrem todas as despesas. O drama é real, e a angústia é crescente, à espera de uma melhora diária.

Com muitos dias de hospitalização, nós ainda enfrentamos outro problema. A possibilidade de vermos nossos maridos contraindo infecção. Cris saiu do hospital na semana passada; Luís Felippe continua, assim como tantos outros. Muitos deles não têm nenhum movimento do pescoço para baixo e dependem de técnicos de enfermagem 24 horas por dia.

O cotidiano das mulheres de vítimas da Backer se resume ao enfrentamento da dor, acompanhando cotidianamente a empresa mentir que está prestando assistência às vítimas, sem fazer nada, nos dividindo entre os cuidados com as vítimas, família, casa e, quando possível, fazendo algo em relação ao trabalho. Queremos respeito com a nossa dor e nossas vidas. Queremos que a Backer assuma todas as responsabilidades, independentemente de quem seja a culpa, pois isso é com a polícia. O produto foi colocado no mercado com dietilenoglicol e isso é fato.

Estamos a favor da saúde, pois passamos de clientes a vítimas, e assim perdemos o interesse para a empresa e também o controle de nossas próprias vidas. Todas as conversas com a Backer estão sendo feitas via judicial, pois em nenhum momento se dispuseram a cooperar.

Acreditamos na Justiça e na sociedade. Erguemos as nossas cabeças e lutamos para que a verdade prevaleça e, claro, para que as despesas emergenciais sejam custeadas. Somos 42 famílias, sendo nove óbitos, com a mesma dor e indignação.

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