Um dos pilares dos governos populistas que surgiram recentemente é construir um contexto de incerteza e ceticismo. Procura-se colocar em dúvida ideias básicas e pilares aceitos, desafiando a ciência e a história e produzindo uma sensação de que não se pode acreditar em nada. Isso vale especialmente para a imprensa, sendo vários os relatos de pessoas alegando não poder confiar em nenhum jornal.

O resultado é claro. Se tudo é questionável, qualquer opinião passa a ter um valor igual. Transforma-se todo debate em um grande Fla- Flu, “um nós contra eles”. Ao mesmo tempo, prepara o terreno para a disseminação de fake news, produzidas de forma sistemática e profissional. Uma vez negada a existência de bases sólidas para o discurso, a direção é apelar para emoções e impulsos e identificar, de forma caricatural, os inimigos a serem enfrentados.

Esse procedimento viola aspectos centrais de nossa civilização. Uma grande realização de Sócrates e Platão foi mostrar a possibilidade de se chegar a consensos por meio do diálogo e da razão. Também o cristianismo procurou mostrar que era possível compreender e entender muitos dos desígnios de Deus. Jesus ensinou por meio de palavras, parábolas e exemplos, mostrando em que consistia o comportamento correto. Tudo isso tem sequência com o iluminismo e a valorização da razão e da ciência. Rousseau mostrou que a liberdade é “obedecer à lei que eu próprio me proponho”, aquela determinada pela vontade geral e conhecida por meio da razão. Kant mostrou a presença de uma razão prática capaz de nos mostrar como é correto agir e proceder. Essas ideias são consolidadas pela Revolução Francesa com os direitos dos homens e dos cidadãos, que afirmam o princípio da igualdade entre os homens, o respeito aos direitos individuais e outros pilares da civilização.

Debate defe centrar em ideias, argumentos e fatos

Assim, um dos pontos centrais a guiar o atual debate deve ser se centrar em ideias, argumentos e fatos, recusando o ceticismo extremo. No caso do debate político, é essencial avaliar os governos pela qualidade, pertinência e implementação de suas políticas. É necessário não subestimar o papel da ciência tampouco o da imprensa. Com uma imprensa livre e transparente, não teria sido possível, como foi, esconder os campos de concentração na Segunda Guerra Mundial por tantos anos.

Há vários canais de imprensa respeitáveis, no Brasil e no mundo. Se se desconfia de um, procure ler alguns e formar a própria opinião. É essencial recusar o relativismo extremo e um discurso baseado em preconceitos, mentiras e certas emoções, pois formam a base de toda barbárie.

Alexandre Queiroz Guimarães é professor e pesquisador em Fundação João Pinheiro e PUC-MG e PhD em ciência política