Orgulhosamente reconhecido como um “carnavalesco”, por onde ando ultimamente sou indagado: - E aí, vai ter Carnaval? Geralmente respondo com outra pergunta: - O que é o Carnaval?
Assim faço para contar que na prática o Carnaval já está acontecendo. Isso mesmo. Basta ver a movimentação nos morros, onde as escolas de samba já escolhem seus enredos, preparam as fantasias, desenham os carros alegóricos. Nas praças, nos eventos, os blocos de rua, que retomaram a folia de Belo Horizonte, começaram a ensaiar suas baterias e voltaram a se apresentar com suas bandas.
O Carnaval, enquanto fenômeno social e cultural, se desenvolve durante todo o ano. A dúvida que realmente permanece é quando acontecerá no Brasil o apogeu da folia, ou seja, aqueles dias que entram no calendário oficial, decretados como feriado nacional, antecedendo a Quarta-Feira de Cinzas.
Em 2021, pela primeira vez em mais de um século, o Brasil não decretou o tradicional feriado, para evitar que as pessoas usassem o período para promover aglomerações e festas, disseminando ainda mais a pandemia do coronavírus. E em 2022, o maior mal que a humanidade enfrenta estará controlado a ponto de nosso país liberar a maior aglomeração que realiza anualmente? Pois não me venham dizer que é possível realizar Carnaval “respeitando os protocolos sanitários”, pois é iminente à folia os abraços e beijos na boca, o que é impossível com distanciamento e máscara.
Por incrível que pareça, a data do feriado, para os realizadores do Carnaval, não é o mais importante. Para nós, ela significa apenas o fim de um longo período de preparação, que deverá acontecer em algum momento do próximo ano, a depender da situação da pandemia. Estamos mais interessados em como fazer o fenômeno cultural sobreviver no meio desta difícil travessia.
Quase todas as capitais brasileiras já começaram os preparativos para a festa. Seus governantes têm dialogado com os realizadores e liberado incentivos financeiros para a festa. Menos BH, onde a prefeitura abandonou completamente os trabalhadores do Carnaval desde o início da pandemia e se nega a conversar com os representantes de blocos e escolas de samba. Com esta atitude, está desmontado a cadeia produtiva carnavalesca e pode acabar com o lucrativo e criativo Carnaval que a cidade conquistou na última década.
O historiador Luiz Antonio Simas, estudioso do Carnaval, explica que “ao longo da história, a sobrevivência potente da rua como espaço de produção incessante de cultura deparou-se com pelo menos três instâncias que tentaram normatizá-la: a repressiva, a moral e a econômica”.
Belo Horizonte viveu recentemente as três formas de ameaça ao seu Carnaval. Primeira veio a repressiva, quando em 2008 a prefeitura desocupou com força policial a quadra da tradicional Escola de Samba Cidade Jardim. A reação popular contra a medida é considerada um dos gatilhos que deram vida ao novo e potente Carnaval da cidade.
Depois veio a moral, quando a bancada evangélica na Câmara Municipal de Vereadores quis proibir a festa pela força da lei. A folia belorizontina não só sobreviveu diante das duas primeiras investidas, como se fortaleceu com elas.
Resta saber agora como ficará diante da tentativa de asfixiamento financeiro promovido pela prefeitura contra os trabalhadores do Carnaval. A ofensiva econômica é a mais nocivas delas, mas não será mais forte que a força popular.
(*) Kerison Lopes é diretor da Escola de Samba Cidade Jardim e criador de vários blocos de rua, como o Volta Belchior