A implementação de políticas sobre a economia em geral, mas também em outras áreas, como na saúde pública, devem passar por avaliação de impacto, ou seja, verificar se funcionam, para quem e em quais contextos. Portanto, a escolha de políticas públicas deve ser baseada em evidências. 

Nem sempre tais avaliações são realizadas. Mais que isso, as intervenções muitas vezes geram consequências não intencionais, ou seja, as maneiras pelas quais as intervenções podem ter impactos positivos de transbordamento (spillover effect) ou negativos não planejados por aqueles que as implementam. Isso não é desconhecido na área médica. Quando fazemos a leitura da bula de um remédio, uma seção importante trata dos efeitos colaterais dos fármacos (“side effects”).

Tal como lembrei em artigo anterior, durante o período mais severo da pandemia da Covid-19, governos utilizaram as chamadas “políticas não farmacêuticas” (de higiene, de distanciamento social e, no limite, lockdown). O objetivo das políticas era achatar a curva epidêmica via redução de mobilidade e interação entre as pessoas.
O fato é que as políticas de restrição na pandemia apresentaram diversos efeitos de transbordamento.

Exemplos de efeitos encontrados pela literatura internacional: elevação de desemprego, queda de consumo, redução de renda real e vulnerabilidade social; redução na poluição; redução do efeito mando de campo no futebol; elevação de curto e médio prazos sobre a volatilidade no retorno de ativos nas bolsas de valores; redução da atividade econômica em diversos setores como turismo, restaurantes, serviços em geral; estímulos fiscais; elevação de inflação; redução da mobilidade; elevação da demanda por trabalho remoto em alguns locais e setores; redução da criminalidade em geral, mas elevação da violência domésticas em alguns locais.

Vale notar especificamente os efeitos sobre a criminalidade. Um artigo interessante publicado na revista “Crime Science”, por Halford, Dixon, Farrell, Melleson e Tilley, em 2020, sugere que a teoria criminológica de mobilidade, possível de ser relacionada à literatura econômica, contribuiu para explicar quedas observadas nas taxas de crime. 

Os autores analisam o efeito da alteração na mobilidade avaliado pelo acompanhamento dos usuários de celulares e aplicativos do Google no período da pandemia o qual as restrições foram impostas. Os autores estimam o efeito (elasticidade) da alteração na mobilidade sobre taxas de diversos tipos de crime do Condado de Lancashire no Reino Unido.

Os autores geram previsões para o período pós-fevereiro de 2020 a partir de um modelo estatístico (ARIMA) e dados diários das diversas taxas de crimes de 2016 até início de 2020. Dessa forma, foi possível calcular para o período pós-fevereiro a diferença percentual dos valores previstos (esperados) e observados (reais). Tal diferença percentual foi explicada pela variação de mobilidade do Google. 

Os resultados de Halford e seus colegas sugerem efeito redutor importante sobre as taxas de crime associado à redução da mobilidade, o que apoiaria a existência de transbordamento positivo, nesse caso.

Em pesquisa com objetivos similares, estou realizando exercícios estatísticos para os dados dos estados brasileiros. Os resultados preliminares encontrados são parecidos, separando estatisticamente o efeito de outros determinantes da criminalidade, as alterações de mobilidade dos indivíduos produzidas pelas restrições impostas parecem produzir efeito semelhante sobre as taxas de mortalidade por homicídios no Brasil durante o ano de 2020.

Ari Francisco de Araujo Junior - Doutorando em economia aplicada, coordenador do curso de ciências econômicas do Ibmec-BH