Ainda outro dia o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, por sua maioria, que cabia a ministro da Corte decidir sobre eficácia de ato praticado por membro dos outros Poderes. O plenário do STF assim se manifestou em virtude de promoção do ministro Marco Aurélio que visava alcançar proteção ao princípio da harmonia dos Poderes, tudo a propósito da altercação que se seguiu após o interdito do ministro Alexandre de Morais que negou efeito válido à nomeação para o cargo de diretor geral da Polícia Federal, realizada pelo chefe do Poder Executivo.
Marco Aurélio visou proteção ao princípio da harmonia, já que este princípio basilar é a fórmula máxima da doutrina de Montesquieu, e mantém a integridade da República. O magistrado realçou a necessidade do conserto subsequente do regimento interno do tribunal, que prevê a hipótese de competência de relator apresentar convicção pessoal eficaz. Onde há desarmonia não há governo, e o desgoverno conspira contra o povo e os interesses da nação.
A preservação da harmonia é de tal importância que se avizinha da estrutural garantia da segurança nacional. É sob o signo da segurança nacional que se instalam e prosperam as atividades econômicas, estimuladas e protegidas pelo Estado. Vencida ela, está a União fragilizada, inativa, o que não é desejo do povo. Tudo deságua, enfim, na harmonia como elemento sempre presente, indispensável para o fortalecimento da lei, da ordem e do desenvolvimento.
Um confronto de competências pode gerar até o ridículo, pois, diante da audácia de um juiz federal, havendo ele atentado contra ato do presidente do Congresso Nacional – à época, o senador Renan Calheiros –, não vacilou o parlamentar em tachar o mandado judicial que autorizava busca e apreensão nas dependências do Senado Federal como proferido por “juizeco”, cuja manifestação rendeu inquérito afinal arquivado pela Procuradoria Geral da República (PGR).
Ora, e não é para menos. Então seria possível admitir que um só cidadão, embora no exercício de sua toga, enfrentasse a nossa imensidade continental para dizer que, a princípio, a verdade podia não estar com o chefe do Poder Legislativo, que iria ser fiscalizado, desnudado, despido de sua majestade e de seu grau de transcendência política por uma só cabeça?
O que se aprende elementarmente nas escolas de direito é que a potestade pertence ao Estado (é dogma jurídico), ele a desempenha segundo seu arbítrio e oportunidade, em obediência às diretrizes constitucionais, obviamente, mas a ele assegurado intangivelmente o direito e a competência para concretizá-lo e daí alcançar o efeito e a validade do ato praticado. Nesta hora, sim, comparece o poder a quem se atribui o poder-dever de censura, de fiscalização e conserto para demarcar e reparar um eventual erro, mas tudo à luz da intervenção do Poder Judiciário, representado em nossa organização política pelo STF.
Vale dizer, o conjunto da alta Corte, o plenário, instância emblemática do Poder Judiciário, se debruça sobre o exame da questão para, em caráter definitivo, equacionar juridicamente o reparo que couber ao ato. Não será de outra forma o deslinde da controvérsia. A potestade do Poder Executivo é incontroversa, e não pode ser enfrentada de outro modo, muito menos em manifestação pessoal. O poder não é do indivíduo, mas da ficção jurídica de tribunal, no exercício legítimo e intransferível de sua personalidade jurídica.