Sobre o uso de cloroquina e hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19, gostaria de compartilhar algumas preocupações minhas sobre as expectativas excessivamente otimistas veiculadas.
Primeiramente, observo que os dados que temos até o momento são baseados em estudos laboratoriais (pré-clínicos), relatos de casos e pequenas séries de 15 a 40 pacientes tratados de forma heterogênea, em populações diferentes, com doses variáveis em fases distintas da doença – e um, inclusive, em associação a um antibiótico (azitromicina), cujas evidências de efeito antiviral são fracas e questionáveis. Não há como se comprovar inequivocamente seu benefício com os dados que dispomos até o momento.
Somente estudos controlados com placebo, com duplo cegamento, aleatorizados e com um número robusto de pacientes (estudos chamados de “Fase III”), poderão confirmar os benefícios. O fato de o vírus ter “desaparecido” nos pacientes não é um desfecho confiável, pois, via de regra, a infecção é autolimitade, o clareamento viral é a lógica nos sobreviventes. O fato do período de os sintomas ter aparentemente sido “mais curto” e menos gravoso é auspicioso, mas estatisticamente pode ter sido meramente por “obra do acaso”, pois o número de pacientes testados é muito pequeno e não há grupo controle para comparação.
Em segundo lugar, tais notícias excessivamente otimistas sobre um remédio que já existe comercialmente disponível para uso em outras indicações (malária e doenças reumatológicas como lúpus-LES e artrite reumatoide), é muito barato e de fácil acesso vai provocar seu uso de forma indiscriminada e até automedicação, com uma corrida desenfreada e alucinada às farmácias, fazendo com que o medicamento falte para quem realmente dele precisa!
Por último, esse medicamento apresenta efeitos colaterais que podem ser preocupantes, como retinopatia (lesão na retina ocular que pode levar à cegueira), anemia grave (chamada hemolítica), baixa dos glóbulos brancos do sangue, manchas e reações na pele e efeitos gastrointestinais variáveis. Portanto, seu uso abusivo e indiscriminado pode trazer consequências danosas aos usuários.
Então, vamos com cautela! Aguardemos os ensaios clínicos que já estão em andamento! Todos nós estamos preocupados e ansiosos por respostas rápidas para a pandemia de coronavírus. Mas nossa saúde é o nosso maior bem!
André Murad também é diretor executivo da Personal Oncologia de Precisão e Personalizada