N’A Fábula do Ribeirão do Carmo, o poeta inconfidente Cláudio Manoel da Costa fala de Mariana, seu torrão natal. Vivendo próximo, cronologicamente, às escalas de sua consolidação urbana, atribuía-lhe grande desventura. O Ribeirão do Carmo, o mais rico da Capitania, parecia gritar que a sanha mineradora lhe consumia:

“Por mais desgraça minha,

Dos tesouros preciosos

Chegou notícia, que eu roubado tinha,

Aos homens ambiciosos;

E crendo em mim riquezas tão estranhas,

Me estão rasgando as míseras entranhas.

Polido o ferro duro

Na abrasadora chama

Sobre os meus ombros bate tão seguro,

Quem nem a dor, que clama,

Nem o estéril desvelo da porfia

Desengana a ambiciosa tirania (...)”

(COSTA: 1768; ALCIDES: 2019, p. 1404)

Cláudio Manoel da Costa manifestava preocupação com a mineração e foi testemunha ocular dos seus efeitos. De 1696, com a fundação do arraial, e a fixação da expedição de Salvador Fernandes Furtado, às margens do Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo, ao nosso tempo, Mariana padece suas mazelas. No ímpeto dos descobrimentos auríferos, os bandeirantes alteraram o povoamento dos sertões mineiros, dantes habitados por diversas tribos indígenas.

Com a difusão da notícia do ouro, em 1709, foi criada a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro e Mariana, então arraial de Nossa Senhora do Ribeirão do Carmo, se tornaria sua primeira vila em 08 de abril de 1711. Possuía sítio modesto, com poucas residências e o sobrado do Governador. Correndo céleres as notícias dos descobrimentos auríferos no Ribeirão do Carmo, o governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho escolheu três locais para as primeiras vilas da capitania. Coube ao rei confirmar o reconhecimento e chancelar a criação da Municipalidade. Dom João V rebatizou a primeira vila como Vila de Nossa Senhora do Ribeirão do Carmo.

A Câmara de Mariana foi fiel ao rei. E o provaria em 1720, no calor da revolta de Filipe dos Santos em Vila Rica, abrigando o Governador e Capitão General Conde de Assumar. 1720 é um marco inconteste no reordenamento geopolítico mineiro. A capital se transferindo para Vila Rica, cria-se a Capitania de Minas Gerais, desmembrada da Capitania de São Paulo. Por sua vez, Mariana cruza 1720, a ressignificar outro marco: a sua escolha como sede do primeiro bispado de Minas Gerais, que há muito a Coroa discutia criar se daria em razão de sua fidelidade oferecida naquela circunstância.

A bula Candor Lucis Aeternae, do papa Bento XIV, cria, ao mesmo tempo as dioceses de São Paulo e de Mariana. A Leal Vila alcança estatura com a carta régia de 23 de abril de 1745, que a eleva a Cidade. Era o pináculo da hierarquia geopolítica coeva: o título de cidade reconhecia a uma localidade importância econômica, militar ou religiosa.

Mariana cruza 1720 a colecionar primados. Berço da cultura erudita, religiosa, artística e educacional, não nega suas lutas. Os dramas de sua História a consolidam como cellula mater de Minas Gerais, fonte de inspiração, recomeço e superação ao Brasil.