Opinião

Mercosul: os primeiros 30 anos

Acerto de contas com a América Latina

Por Enrique Natalino
Publicado em 29 de março de 2021 | 15:30
 
 
 
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O Mercosul integra o repertório das grandes iniciativas da política externa brasileira ao longo de sua história. A celebração dos 30 anos do Tratado de Assunção nos faz refletir acerca da importância da diplomacia em um mundo de grandes turbulências. Fortalecer os laços entre as nações vizinhas permanece como um ativo importante para o Brasil na busca do seu desenvolvimento e de sua inserção internacional qualificada.

O momento de criação do Mercosul refletia uma visão mais idealista das relações internacionais. Em um contexto de fim da Guerra Fria, os países sul-americanos vivenciavam a reconquista da democracia e o esgotamento do modelo de substituição de importações. E buscavam redefinir os rumos de sua inserção externa. O Mercosul foi, sobretudo, um projeto político de aproximação estratégica entre Brasil e Argentina. E cumpriu, na América do Sul, um papel semelhante ao da União Europeia em sedimentar o eixo estratégico de amizade franco-alemão, pilar central do bloco europeu.

O primeiro pilar do Mercosul (livre-circulação de mercadorias) contribuiu para a inserção competitiva das economias dos países-membros na globalização. O segundo pilar (união aduaneira) avançou em partes, dadas as exceções à tarifa externa comum. O terceiro pilar, o de convergência de políticas macroeconômicas e setoriais, talvez seja o mais problemático, dadas as resistências a mudanças nas legislações e nas políticas nacionais. Por ser uma organização internacional de caráter intergovernamental, o Mercosul permanece muito dependente da vontade soberana dos seus Estados membros e da dinâmica de colaboração de seus governos.

Processos de integração econômica e política possuem momentos de grande euforia, mas também de estagnação, conforme nos ensina a trajetória de da União Europeia. Com o Mercosul não é diferente: o entusiasmo e a convergência iniciais, responsáveis pelos avanços institucionais no campo comercial e na organização de uma estrutura institucional, acabam sendo substituídos, em alguns momentos, pelo ceticismo e pela paralisia. O momento atual apresenta inúmeros problemas e desafios, como os desentendimentos na relação entre Brasil e Argentina. Outro problema grave é a postura isolacionista do governo brasileiro, com uma política externa e ambiental erráticas que enfraquecem a sua liderança na América do Sul e em âmbito global.

O Mercosul representa um acerto de contas do país com a sua vizinhança e com a América Latina. É a grande oportunidade histórica de fazer da nossa geografia um ativo político, econômico e diplomático no mundo que vem aí. Mesmo em um bloco econômico em que o processo decisório é consensual e lento, o peso e a influência do Brasil, como maior economia, sempre foram determinantes para apontar caminhos, destravar impasses, desdramatizar crises e construir consensos. A ausência de uma diplomacia racional e equilibrada do Brasil, nesse sentido, nunca fez tanta falta à região.

.*Foi pesquisador-visitante do German Institute of Global and Area Issues (GIGA), em Hamburgo, na Alemanha. Assessor político e assessor de relações internacionais do Governo do Estado de Minas Gerais (2011-2015). Mestre em administração pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro e gradudo em direito pela Universidade de São Paulo (USP). Professor universitário nos campos de direito, economia, administração e relações internacionais.

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