Quase 2 bilhões de pessoas são diagnosticadas com doenças tropicais negligenciadas, que causam mais de 1 milhão de mortes todos os anos no Brasil. Enfermidades que abrangem essa classificação afetam principalmente populações mais pobres e regiões remotas, com dificuldades de acesso aos serviços de saúde.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera as seguintes condições pertencentes a esse grupo: doença de Chagas, cisticercose, dengue, leishmaniose, hanseníase, filariose, raiva, esquistossomose e algumas parasitoses intestinais. Doenças como malária e tuberculose também são consideradas negligenciadas, fazendo parte de estratégias urgentes de saúde pública para o cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 3, da Organização das Nações Unidas (ONU).
Em setembro de 2023, os 193 países participantes da Assembleia Geral da ONU aprovaram o United Health Coverage (UHC) 2030, um acordo mundial para progredir no sentido da cobertura universal de saúde. Essa iniciativa visa utilizar os sistemas da forma mais ampliada e transparente, para garantir o acesso à saúde a todas as parcelas da população, com o lema-base “Leave no one behind” (“Não deixe ninguém para trás”).
É de comum entendimento que, para os países atingirem todas as metas rumo a uma saúde universal e de qualidade, diminuindo o adoecimento e as taxas de mortalidade, os setores público e privado e o terceiro setor devem se unir para desenvolver as melhores estratégias e ferramentas. O principal caminho segue sendo por meio da inovação e tecnologia, e o Brasil é exemplo de como é possível trilhar esse percurso.
Bill Gates, o bilionário considerado uma das pessoas mais inovadoras do mundo, no início de dezembro, citou o SUS como exemplo de sistema de saúde que deve ser replicado em todo o mundo e reforçou a importância das redes de assistência primária para a ampliação do acesso.
O Brasil é referência em uma série de políticas públicas e estratégias que são reproduzidas por diversos países com maior densidade tecnológica e muitas vezes mais recursos financeiros, demonstrando que, quando os setores caminham juntos, as possibilidades são imensas.
Com a estratégia descentralizada e a regionalização proporcionada pela atenção primária à saúde e toda a sua equipe multidisciplinar, o Brasil voltou a apresentar crescimento na aplicação de oito imunizantes do calendário infantil em 2023. O reconhecimento profissional dos sanitaristas e dos agentes comunitários contribuiu para o aumento da cobertura. A grande novidade é a inclusão da vacina da dengue no calendário, junto da vacina da influenza e Covid-19, inicialmente para grupos prioritários, para depois chegar à cobertura completa.
A recente aprovação da vacina pela Anvisa, seguindo decisões anteriores da European Medicines Agency (EMA) e da Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency (UK MHRA), proporciona uma nova ferramenta para prevenção da dengue. A Qdenga é um imunizante atenuado tetravalente contra os quatro sorotipos da dengue. Baseia-se na tecnologia de DNA recombinante, a partir do sorotipo atenuado Denv-2, que fornece a estrutura genética (backbone) para todos os componentes virais.
A vacina demonstrou boa tolerabilidade, sem evidência de aumento da incidência de doença grave em pacientes soronegativos; também mantém perfil elevado de segurança até o momento. Com muita responsabilidade, vamos indicar esse imunizante para a prevenção da dengue causada por qualquer sorotipo do vírus em indivíduos dos 4 aos 60 anos, tanto soronegativos quanto soropositivos para a doença.
Portanto, o investimento em inovação e tecnologia para a descoberta de novos medicamentos e vacinas é crucial para a ampliação do acesso às instituições de saúde e a melhoria da percepção de cuidado e informação. Além disso, o investimento em saneamento básico e higiene e a progressão das redes de cuidado também são fatores fortemente associados, já que a prevenção deve ser acompanhada da promoção da saúde. Tudo isso ainda converge para a redução dos custos e a expansão da qualidade dos serviços.
(*) Rafael Kenji e Paula Fernandes Távora é CEO da FHE Ventures e da Health Angels Venture Builder e patologista e CEO da UbuntuMed