Cadu Doné

Depois é nunca

Carpinejar é genial em vários aspectos. Seu texto é impecável

Por Cadu Doné
Publicado em 25 de outubro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Coincidências deliciosas. Piadas internas que não ressoam nem nos interlocutores que as ouvem como nos arautos. Carpinejar é genial em vários aspectos. Seu texto é impecável. Compartilhamos a admiração pelas colunas maravilhosas de Fred Melo Paiva. No caso do meu amigo do Sul, enquanto escritor malsucedido, me assusto com o volume de suas produções – óbvio, sem perder a qualidade. Recentemente, comentando com uma pessoa extremamente importante para mim – e hiperinteligente –, exaltava que, dos populares aforismos de guardanapo – sempre me remeteu a um Nietzsche mais sucinto – de um dos nossos personagens de hoje, o que mais me impactava era: “Depois é nunca”. Simplesmente no dia seguinte vi que meu amigo escolhera este título para sua próxima obra. Me emocionei. No último sábado, em seu aniversário, no nosso longo abraço de despedida, quase chorei.

Egotrip

Falar de si mesmo pode ser bem barango. Egotrip. Escritores – mesmos os de segunda linha, como eu – vira e mexe sucumbem à armadilha. Será o caso agora. Quando tinha, sei lá, uns 20 anos, e até à desilusão completa de um tempo já longínquo, queria ser um Proust, um Dostoiévski; vá lá, um David Foster Wallace, um Michel Houellebecq. Isso na literatura. Na filosofia, desejava ser um Schopenhauer, um Nietzsche. De quebra, na música, ansiava me tornar um frontman de uma dessas bandas indies que ganham 10 no Pitchfork e ainda têm público suficiente para encher arenas. Mente voando entre me portar no palco como uma mistura de Thom Yorke com Alex Turner.

Ironia

Mirava o máximo. Pretensão gigante. Por falta de competência e escolhas erradas, atirei no 80 e cai no oito: abracei a mais fácil, a mais dispensável, a mais ridícula das profissões: comentarista esportivo. Depois é nunca: entre 18 e 25 anos escrevi como um animal. Publiquei um livro. Não gosto dele. Escrevi obra gigantesca com filosofia própria. Um sistema – olha o nível de pretensão. Compus um álbum e gravei 4 músicas – nunca mostrei para ninguém. Tudo registrado nos devidos órgãos oficiais.

Gênio do sul

Queria ter algum dinheiro. Escritor e filósofo – ainda mais fora da academia e abraçando o tipo de produção que ambicionava – não faturam nada. Depois é nunca: pela facilidade de ser comentarista esportivo, acreditava que conseguiria conciliar este porto seguro com a vida intelectual. Inclusive sacrificando relações pessoais. O perfeccionismo não me permitiu sucumbir à estupidez que reina na minha profissão. Mesmo para nela ser bom, é fácil. Ainda assim, consome energia, tempo; falsidade...    

Perdi o jogo

Depois é nunca: protelei. Hoje percebo que minha energia foi embora. Visitei museus no mundo inteiro para completar um romance que tinha um pintor como protagonista. Simplesmente não consigo voltar ao que era. Organicamente. Mentalmente. Acabou. Há uma intangibilidade e, simultaneamente, algo no âmago, fisiológico, na soma de tudo o que me torna o que sou, difícil de explicar numa coluna. Perdi. Tenho disquetes, celulares antigos com uma infinidade de ideias. Meu TOC...

Saber demais

Me restaram as platitudes do jornalismo. Sofrer com injustiças, corruptos, os bundões que para eles arregam. Sabendo demais...

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