Falar em justiça climática é falar de justiça de gênero. Não há como enfrentar o colapso ambiental sem encarar o desequilíbrio histórico que nos tirou da centralidade das decisões. Quando o clima se torna crise, ele não atinge a todos de forma igual. Ele fere primeiro os corpos que o sistema sempre tratou como descartáveis. E entre esses corpos estão os corpos das mulheres, especialmente as indígenas, negras, quilombolas, ribeirinhas, camponesas, periféricas. Mulheres que carregam a terra no nome, no sangue e no ventre. Mulheres que são território.
Segundo a ONU Mulheres, até 2050, mais de 158 milhões de mulheres e meninas poderão ser empurradas para a pobreza pela crise climática. E 236 milhões enfrentarão insegurança alimentar severa. São números que assustam, mas que nós, mulheres originárias, já conhecemos na pele. Quando o alimento falta, somos nós que tiramos da nossa boca para alimentar os filhos. Quando a água seca, somos nós que caminhamos de pé no chão para buscar baldes. Quando o território queima, somos nós que enterramos os bichos, as sementes, a memória.
A emergência climática tem gênero. Mas as soluções, ainda não. Mesmo com tantos impactos, as mulheres continuam sendo minoria nas decisões sobre o clima. Em 2022, apenas 20% das lideranças nas negociações da COP eram mulheres. E na estrutura do IPCC – o principal órgão de ciência climática do planeta – os homens ainda ocupam 75% das cadeiras de autoria. O que isso revela é que as mesmas mãos que apagam o fogo nas aldeias não seguram a caneta que escreve os acordos. E isso é um erro histórico que precisamos corrigir.
Foi por isso que protocolei o Projeto de Lei 3.640/2025, que propõe o mapeamento e a organização de dados sobre os impactos da crise climática na vida de meninas e mulheres brasileiras. Porque o que não se mede não se vê. E o que não se vê não se transforma em política pública. O PL nasce do entendimento de que precisamos legislar com os pés no chão e os ouvidos na escuta das mulheres que estão resistindo há séculos à violência da colonização, do patriarcado e do extrativismo.
Queremos que o Estado enxergue o que a ciência e a ancestralidade já sabem: que os impactos do clima sobre as mulheres não são efeitos colaterais, são centro da questão.
A ONU Mulheres também nos ensina que o feminismo pode ser uma ferramenta poderosa contra a crise ambiental. E apresenta quatro caminhos: reconhecer os saberes e direitos das mulheres; redistribuir recursos e poder; representar com equidade nos espaços de decisão; e reparar as desigualdades históricas. Esse último é urgente. Hoje, menos de 3% do financiamento climático global chega diretamente a organizações de mulheres. Isso revela a desigualdade até mesmo no acesso às soluções.
É preciso deixar de enxergar as mulheres apenas como vítimas da crise e reconhecê-las como protagonistas da resposta. As mulheres indígenas, por exemplo, protegem cerca de 20% das florestas mais preservadas do planeta, mesmo representando uma parcela pequena da população. Somos guardiãs de biodiversidade, de águas, de sementes, de histórias. E é por isso que dizemos, sem medo: sem mulher não tem clima.
Dizer isso não é só uma denúncia. É um chamado. É gritar que não queremos mais ser estatística de abandono, queremos ser critério de decisão. É exigir que nossas vozes não sejam só ouvidas, mas consideradas. Que nossas experiências não sejam invisibilizadas, mas transformadas em política pública. Que nossos territórios sejam protegidos não por caridade, mas por justiça.
O tempo do planeta está descompassado. O pulso da terra está acelerado. Mas ainda há chance de cura. E essa cura virá das mulheres que sabem ouvir os ciclos da natureza e reinventar o mundo com suas mãos. Porque só com as mulheres no centro é que haverá futuro e “fruturo”. E um futuro com floresta em pé, rio limpo e criança brincando no chão só será possível quando compreendermos que sem mulher não tem clima. Sem as que semeiam, não há colheita. Sem as que cuidam, não há sobrevivência. Sem as que lutam, não haverá paz.