A verdadeira polarização brasileira não é política. Ela se revela no contraste entre o salário mínimo recebido por um trabalhador sem acesso a serviços públicos de qualidade e os supersalários pagos a servidores do estado, custeados com recursos públicos que poderiam financiar os serviços dos quais esse trabalhador carece. Ainda assim, quando se fala em polarização, o foco recai quase sempre sobre disputas ideológicas.
Entre 1822 e 1889, o Brasil atravessou períodos de polarização política, sem perceber a polarização social entre os brasileiros escravos e seus senhores. Depois da abolição e da República, tivemos momentos de polarização política, mas ignoramos a desigualdade social entre quem vive nas favelas e quem habita condomínios fechados.
A polarização social sempre foi negligenciada, invisível aos olhos da política e dos analistas. Felizmente, o presidente Lula trouxe o tema ao tratar da disputa fiscal, quando usou a expressão “andar de baixo”, onde sobrevivem os de baixa renda, e “andar de cima”, onde vivem aqueles com rendas elevadas.
Essa polarização só se tornou visível com a Lei de Responsabilidade Fiscal, a emenda do teto de gastos e seu sucedâneo novo arcabouço fiscal, que trouxeram a exigência de equilíbrio nas contas públicas.
O Brasil começa a entender que não se distribui riqueza por mágica, com dinheiro inexistente: para beneficiar um grupo carente, é preciso retirar privilégios de outro grupo, respeitando os limites fiscais e econômicos. Justiça social não é apenas cobrar mais impostos de quem tem; também é investir esses impostos a favor de quem não tem.
Não basta arrecadar mais dos ricos se o dinheiro continuar financiando mordomias, avalanche de emendas parlamentares, supersalários. É preciso oferecer uma escada para que todos possam subir ao “andar de cima”. Essa escada é a educação básica de máxima qualidade, igual para todos, independentemente do “andar” em que o brasileiro nasce e vive. O caminho para superar a polarização social começa por garantir equidade na qualidade da escola de base.
Os governos democráticos investiram mais nos “andares” onde poucos concluíram o ensino médio do que nos “andares” onde dezenas de milhões permanecem analfabetos plenos ou sem educação de base adequada. Com as cotas para ingresso no ensino superior, elevaram o número de universitários, mas não reduziram o número de adultos analfabetos nem universalizaram a conclusão de um ensino médio com qualidade.
A polarização social só será vencida quando o sistema escolar brasileiro deixar de ser dividido entre “escolas para o andar de cima” e “escolas para o andar de baixo” e o Brasil tiver um sistema nacional igualitário para a educação de base de todas as crianças.