Muitos historiadores assumem a função de astrônomos do passado, observam, mas não guiam os leitores pelos caminhos da história. Ruy Castro não se limita a essa astronomia: ele nos conduz como um guia caminhando pelo passado, mostrando como era a sociedade no tempo que estuda. Em "Trincheira Tropical", deslumbra o leitor levando-o pelas ruas do Rio de Janeiro nos anos da Segunda Guerra Mundial. Mostra a cidade e o país no cenário naquele tempo, desvenda e conta os bastidores dos debates políticos e seus movimentos consequentes, ao mesmo tempo em que narra a vida que seguia. Ruy não se arvora em astrônomo, mas em guia de museu vivo.
Os livros de história nos trazem o passado, "Trincheira Tropical" nos leva ao passado. Graças ao olhar do historiador e sua imensa bagagem de informações, assistimos como testemunhas aos fatos daqueles anos. "Trincheira Tropical" é um ponto de observação a partir do qual podemos perceber e caminhar pelo passado em um momento decisivo da história mundial e nacional.
O Rio de Janeiro deveria organizar um roteiro turístico inspirado na obra, para que nossos alunos do ensino fundamental e médio conheçam a história. O leitor poderia percorrer lugares onde a história aconteceu: visitar endereços que ainda existem, como o porto de onde partiram e voltaram os pracinhas; os palácios do Catete e da Guanabara, onde Getúlio tomava decisões; a casa onde Luís Carlos Prestes foi preso e a rua em que Olga Benário foi capturada; o endereço no qual integralistas reuniam multidões para tentar implantar um fascismo tropical; o Cassino da Urca e o Hotel Copacabana Palace, onde brasileiros e estrangeiros se divertiam, espionavam e conspiravam.
Sem emitir juízos de valor, apenas descrevendo, ele revela uma característica central de nossos políticos: a facilidade em mudar radicalmente de lado no espectro ideológico e programático. Como o jovem comunista radical Carlos Lacerda, que sabemos ter se transformado no grande tribuno da direita; Getúlio Vargas, de ditador de direita a condutor da democracia e pai dos trabalhadores e dos pobres.
Felizmente, nem todos os historiadores são astrônomos do passado. Alguns ainda são viajantes que nos guiam pela paisagem política, cultural e militar do passado, ajudando-nos a ver e a nos encantar com aqueles tempos _ e a percebermos como eles moldaram a maneira como somos sem aprendermos ainda a usar a democracia para construir o futuro que desejamos e temos potencial para alcançar. Entre esses viajantes no tempo, Ruy Castro tem sido nosso grande historiador, especialmente pelo domínio da narrativa que seduz o leitor do início ao fim em uma obra cheia de informações, nuances e suspense: como se fosse um relato jornalístico de alta qualidade com a profundidade de um texto de grande historiador.