Cristovam Buarque

Brasília tentou

A apropriação de um programa social pelo populismo


Publicado em 19 de novembro de 2021 | 03:00
 
 
 
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A substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil nos lembra que Brasília serviu de exemplo para um programa com impacto transformador na estrutura social, e faz perceber que a ideia inicial criada no DF se transformou em programa assistencial. 

Em 1987, no Núcleo de Estudos do Brasil Contemporâneo, da UnB, elaborou-se a ideia de pagar a famílias pobres uma renda vinculada ao trabalho da mãe para assegurar frequência dos filhos à escola. A proposta mitigava a pobreza e transformava a estrutura social, levando crianças à escola. A renda reduziria a pobreza no presente, a escola aboliria a pobreza futura. 

Em janeiro de 1995, a ideia se transformou em política pública do governo do Distrito Federal. Brasília inovou fazendo da teoria uma prática pioneira e servindo de inspiração à Prefeitura de Campinas, graças ao prefeito José Roberto Magalhães Teixeira, e à cidade de Recife, pelo prefeito quase homônimo, Roberto Magalhães. Eles criaram programas similares, mas sem compromisso de vinculação à educação. 

Seis anos após a implantação no DF, o presidente Fernando Henrique Cardoso adotou o Bolsa Escola Nacional, com o mesmo caráter educacional, tanto no nome, quanto na gestão, feita pelo Ministério da Educação. Um ano depois de sua posse, o presidente Lula transformou o Bolsa Escola no Bolsa Família, triplicando o número de beneficiados, mas excluindo o papel transformador pela educação e deixando a gestão na assistência social. O programa ficou mais generoso, mas perdeu sua função de transformação estrutural. A prova é que quase três décadas depois ele continua necessário, diante dos imensos bolsões de pobreza que já não deveriam existir se, desde então, todos tivessem recebido educação de base com qualidade. 

Agora, o atual governo federal decide acabar de vez com a ideia transformadora inicial, substituindo a palavra “Bolsa” por “Auxílio”. No começo, com o Bolsa Escola, as mães recebiam a bolsa porque os filhos iam à escola e graças a ela sairiam da pobreza. Com o Bolsa Família, as mães recebiam a quantia porque as famílias eram pobres e, se saíssem da pobreza, perderiam o direito de recebê-la. Agora, recebem o auxílio por causa da tragédia da Covid. 

Brasília idealizou e implantou um programa transformador estruturalmente e tentou que o resto do Brasil adotasse a ideia pelo prazo de 11 anos, tempo suficiente para que toda criança brasileira terminasse o ensino médio, fazendo a bolsa desnecessária após esse prazo. Mas um quarto de século depois, a proposta que transformaria a estrutura social do país, pela educação de todas as suas crianças, foi apropriada pelo populismo e transformada em um simples programa assistencialista. 

Brasília não conseguiu, mas tentou inspirar o Brasil.

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